segunda-feira, janeiro 29, 2007

Nem parece teu, Ng


Em Macau, onde a oposição ao Executivo não existe, a Ng Kuok Cheong (e ao seu companheiro de tribuna Au Kam San) é por vezes assacada a responsabilidade e a coragem de lembrar o governo de Ho Hau Wah dos aspectos em falta e das particularidades que estão menos bem.
Ng Kuok Cheong e Au Kam San , figuras de proa do Novo Macau Democrático são, por assim dizer, uma parcela de oposição alternativa, os timoneiros da fraca discórdia que o sistema político da RAEM, com as fragilidades que lhe são conhecidas, ainda vai permitindo.
Ng Kuok Cheong, líder por indução do Novo Macau Democrático, será também uma das vozes mais honestas da Assembleia Legislativa e sem dúvida das mais incómodas para a malta do aparelho político do Palácio da Praia Grande.
Antes ainda de Ao Man Long, antigo secretário para as Obras Públicas e os transportes ter ido parar ao calabouço, já Ng Kuok Cheong pedia olho vivo ao governo sobre as negociatas imobiliárias menos claras que envolvem as formalidades de concessão de terrenos.
Como pediu também um reforço das políticas de acção social do Executivo para com os residentes menos beneficiados pelo crescimento económico rotundo que Macau tem vindo a conhecer.
Num lugar como Macau, pouco dado à clareza e onde a transparência existe cada vez mais apenas nas páginas dos dicionários, não é difícil concordar com quase tudo o que é exigido por Ng Kuok Cheong ao governo.
O deputado democrata é, no entanto, tão falível quanto os outros quando negligencia, em prol do idealismo social, as idiossincrasias que regem o exercício particular de certos misteres ou conveniências.
Durante o fim-de-semana, um Ng Kuok Cheong ou anarquista ou ingénuo, lembrou-se de exigir ao governo uma atenção particular aos problemas dos jornalistas do território.
Os jornalistas têm fama de tesos e em Macau são muitos os que o são deveras. O deputado diz – e bem – que os jornalistas de Macau são uma das poucas classes profissionais que não beneficiaram, virtual e realmente, dos milhões que a economia da RAEM tem gerado desde que o jogo foi liberalizado nos idos de 2002.
Neste particular, Ng Kuok Cheong não descompõe a faceta omnisciente, de deputado conhecedor e preocupado, que lhe é muitas vezes reconhecida.
O “democrata” faz eco de um problema real, de não muito fácil resolução. Uma grande fatia dos jornalistas de Macau – fatia que coincide de grosso modo com os jornalistas dos órgãos de comunicação social chineses – vivem aquém do que são os rendimentos da generalidade das outras profissões intelectuais do território.
Para muitos informar é um exercício onde só se pode estar por gosto, um exercício de quase devoção, tão reduzido é o pagamento. Raras vezes os salários ultrapassam as oito mil patacas.
Por ser tão baixo o encómio e desafortunado o mister de repórter (visto por Ng Kuok Cheong como profissão de risco), o deputado defende que os profissionais da comunicação social devem ter acesso gratuito à saúde, a exemplo do que acontece já com os professores e os estudantes. Até aqui tudo bem. Onde Ng Kuok Cheong parece pisar a terra do disparate é quando pede a criação de um “patrocínio governamental” a ser concedido aos jornalistas para que se mantenham na profissão.
Ora, o mesmo seria pedir ao lobo que se enfiasse no covil das ovelhas. Macau é exíguo, por vezes maior que si mesmo, mas está longe de ser um mar de rosas. Se fosse um mar de rosas, Edmund Ho não precisava de enfeitar todo, qualquer e cada um dos discursos que faz com alusões ao corajoso exemplo da mãe China e à harmonia que dela emana.
Nestas coisas da política, devia ser proibido ou, no mínimo, de mau tom invocar os ausentes. Sempre que Ho Hau Wah invoca a necessidade de harmonia o tiro salta pela culatra aos jornalistas chineses do território. Jornalisticamente falando, harmonizar é consentir, manter o status quo, é relegar e, em última instancia, calar ou minimizar.
Assim vive os desafios da profissão uma boa parte dos profissionais de comunicação social dos meios chineses do território. Sob a alçada, factual ou auto-imposta, de um esmeril censitório redutor, de um lápis que já foi azul e agora é vermelho, em prol da harmonia.
Com a administração chinesa e sob a bandeira da RAEM, dizem alguns, os jornalistas chineses estão a beber do mesmo veneno que os jornalistas portugueses beberam nos últimos anos da Cidade do Nome de Deus. Isto sem que recebam qualquer tipo de patrocínio, subsídio ou facultamento. Custa-me até imaginar o que seria se recebessem.