quarta-feira, janeiro 31, 2007

Guia Sentimental de Macau: estolas, santinhos e bandeirames

Nunca consegui entender, confesso, a nostalgia na sua plenitude. É, de certa forma, um magicar obsoleto do espírito, porque remete o mais das vezes para uma ordem ou conjectura irrepetível.
Há meia dúzia de anos, uma produção cinematográfica alemã foi responsável pela centrifugação de um rodopio nostálgico que teve por objecto a política, a imagem e o modus vivendi da antiga DDR, República Democrática Alemã.
O filme – “Goodbye Lenin!”, é bom de ver - teve o ónus de transformar o vetusto Trabant num objecto de culto e a bandeira compassada da DDR num ícone para uma nova geração de alemães que, por uma ou outra razão, nunca chegou a tomar consciência plena do que foi a Alemanha Democrática.
O impacto do filme numa Alemanha cada vez mais consciente do peso da factura a pagar por quase meio século de separação fez-se sentir de uma tal forma que ajudou a cunhar um novo termo: östalgie; a saudade do Leste.
Em Macau não houve muro que ruísse. O processo de reunificação, por se fazer anunciado pelo menos desde 1987, possibilitou - senão menor incerteza - uma maior margem de manobra àqueles que entenderam o dia 19 de Dezembro de 1999 como o ponto final numa era.
Houve os que partiram, temerosos. Os que ficaram por sempre ter sido esta a sua terra. Os que abraçaram o regresso a administração chinesa como um regresso terno ao útero da mãe.
Os portugueses, que por cá estiveram meio milénio, souberam enterrar o império com uma réstia de dignidade. Tal não significa, ainda assim, que se pudesse esperar dos residentes de Macau particular simpatia ou desassombro sentimental pela ausência de uma presença portuguesa, oficial e demarcada.
Sete anos após o regresso de Macau à administração chinesa, causa estranheza, um arrepio quase, a estima que uma parte palpável dos residentes da agora RAEM devota a todas as coisas lusas.
É como se uma espécie de “lostalgia” se houvesse instalado durante este tempo todo.
Não falo da comunidade macaense, devotamente portuguesa, de alma, coração, vontade e nervo. Falo, sim, dos chineses de Macau, dos que ainda conservam o passaporte português e que nunca foram mais que portugueses errantes, e dos outros, dos que têm plena consciência que aquilo que Macau hoje é, o deve a Portugal.
Falo do jovem que, por alturas do Mundial de futebol, dizia à TDM, que pensava em Portugal como o seu segundo país. Falo dos carros enfeitados com os galhardetes do Benfica, do Sporting, do Porto, da Selecção Nacional, de Fátima, de Lisboa e do impante galo de Barcelos, a cantar de alto quase em todos os restaurantes da cidade.
Falo do autocolante com o “P” de Portugal colado na traseira do veículo que segue à minha frente na Ouvidor Arriaga e nos olhos risonhos e orientais da condutora.
Falo da matrícula lusa, pejada com as estrelas do europeísmo, que decalca a chave da chapa de Macau e tão bem afirma tal estima. Uma estima que arrepia, tão difícil de explicar se torna.
Ontem, Edmund Ho dizia que o que une a RAEM a Portugal é um património incontornável de mais de cinco séculos de amizade. Não sei o que seja, mas é algo mais.
Algo que se perde na tradução. E por inevitavelmente se perder é melhor que assim permaneça: apenas um arrepio cru que nos convence que Portugal, por vezes, vale a pena.

1 Comments:

At 12:20 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Glad to have you back old friend. Keep it up.

 

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