quinta-feira, fevereiro 15, 2007

As árvores lá fora ...

É a segunda vez que cá volto e o ar continua morto. Em mais de um ano, parece, nenhuma partícula se moveu, as paredes cruas descarnam, os passos erguem o pó das escadas e, como ontem, a luz parca dos corredores pouco mais é que uma vibração estagnada.
São verdes as barras, duas vezes a grossura de um polegar. Atentos, os guardas abrem caminho aos que passam sem quase abandonar a postura.Também eles, em mais de um ano, parecem não ter dado pela passagem do tempo e permaneceram ali e apenas.
A festa é no pátio que Lhes serve de recreio. Uma hora exígua de sol e de ar, coroada pela impossibilidade dos muros,é de quanto dispõem todos os dias para ver dançar as árvores lá fora. Hirsutos, os muros são reis e divindades maquiavélicas: há um dragão de arame farpado e espinhos no ponto em que terminam e em que o etéreo se faz palpável.
Eles estão ao fundo, nos antípodas do que somos. O uniforme é largo, de uma tristeza tacanha, de um amarelo pardacento e doído. De vez em quando levantam os olhos para nós e é como se os metros que nos dividem fossem um rio e morássemos todos em margens desavindas.
O diadema de ferro que se ergue a riscar o céu imediato oscila com uma rajada mais forte. Há um palco improvisado no canto e canções compostas de propósito para a ocasião. Um sorteio festivo atribui sandálias, bolas de futebol, volantes de badminton aos felizes contemplados. Do outro lado, das margens desavindas, eles olham o céu e, fora, as árvores que dançam.

1 Comments:

At 1:59 da manhã, Anonymous Anónimo said...

"É a segunda vez que cá volto e" a qualidade dos textos permanece tão elevada quanto inalterada.


R.

 

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