quinta-feira, dezembro 16, 2004

Alargamentos e clausuras

Aos portugueses não agrada a ideia de que a União Europeia alargue horizontes a Oriente. De acordo com os dados de uma sondagem ontem publicada, uma parte considerável dos portugueses entende como negativo um futuro alargamento da União Europeia e reconhece na possível entrada da Turquia no clube da Europa um factor de instabilidade.
Excusado é dizer que aquilo que os portugueses pensam é tão relevante quanto uma mosca em África. Bem podem os portugueses julgar que ou pensar que podem que não fazem mais que atirar impropérios ao marulhar, ao mar imenso. Mas isso não vem ao caso para a presente consideração.
A reacção dos portugueses, dos que responderam à sondagem e dos outros, por ela representados, será legítima? A legitimidade, já se sabe, é tão subjectiva quanto outra coisa qualquer. Parece, ainda assim, que uma tal reacção é, antes de mais e sobretudo primária: é a reacção da galinha choca e encrespada que protege a prole, do gato assanhado espicaçado pelo cão.
O cão, no caso, não é só a Turquia. É a Bulgária e a Roménia (ainda que a maior parte dos porttugueses não saibam ainda que a integração de tais países já é certa) e são todos e cada um dos dez países que desde Maio levaram os limites geográficos da União até às portas da grande Rússia. No fundo e, primordialmente, os portugueses sentem-se ameaçados, acagaçados. Mas a ameaça, ao contrário do que sugere a pedagogia política, não ganha substância no suposto confronto civilizacional, mas sim na poiética económica. A questão civilizacional é parca, senão mesmo irrisória já que Marrocos e a vastidão de África, com toda a panóplia dialéctica de problemas e potencialidades, ficam logo ali a um mar estreito de distância, se é que não se encontram já entre nós.
Os vinte anos que Portugal leva de andanças europeias foram paa muita boa gente uma espécie de "euro milhões" sem sorteio: serviram para as coisas sérias e para as brincadeiras, para o fermento das infraestruturas e para o fausto da classe média. Em vinte anos de Europa os portugueses tomaram o gosto à usura e aprenderam a consumir, a gastar sempre mais. Não houve nesse tempo quem ensinasse a investir: nem instâncias governamentais, nem universidades, nem a própria União Europeia mostraram flexibilidade para educar para a economia depredadora de mercado.
Hoje os portugueses têm medo.Sobretudo de si próprios. De não saberem fazer com a escassez aquilo que nunca souberam fazer sob o signo da fartura.

1 Comments:

At 12:20 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Apoiado!

Cátia

 

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