Novos Contos Moralistas
Era uma vez uma menina que cresceu bela. Era toda olho mareado, caracoletas louras derramadas em cachoeira, curvas compassadas, nem um lípido a mais, nem uma pestana a menos. A menina, que tinha uns pais com olho para o negócio e era loura e pouco burra disse para si mesma desde cedo:
- Hoder el trabajo, tio. Vou é viver às custas deste corpaço
E assim foi. O olho mareado rendeu muita sessão fotográfica, a menina mostrou o rabinho e a maminha na passerelle e tornou-se numa pop star, glamour e gajos, glamour e gajas, droga, o catano e coisas que tais.
A menina tinha namorado, tinha namorada, por vezes tinha namorado e namorada ao mesmo tempo. Tinha amigos heroinómanos e cocainómanos e outros que citavam Schoppenhauer e Said e os ideais de esquerda enquanto comiam hamburgueres do Macdonald's.
Com tanto que o corpaço lhe deu a menina engrossou um ego do tamanho de um lutador de sumo. Falava para o espelho como na banda desenhada,
- Espelho, espelho meu, há alguém mais galdéria do que eu?
e ao espelho se respondia,
- Qual que, tia! Es a a mais galdéria, la mas guapa, la mas guarra. Lo eres todo. Todo.
Um dia a menina foi convidada para uma sessão fotográfica na Schwarzwald, mesmo, mesmo no meio das árvores, com um capuchinho vermelho mais transparente que a luz do dia, um capucho mínimo que lhe deixava as mamárias ao relento.
O cabrão do fotógrafo cismou com o aproveitamento da luz da manhã e a menina lá teve que se levantar cedo, que gramar com duas toneladas de base e de rouge e de sombra e de bâton quando ainda almejava o corpo quente da namorada de um lado e os dedos fortes do namorado do outro.
A chiba da manhã ameaçava coisa feia. A luz de que o fotógrafo falava parecia luz de mausoleu ou de quarto enegrecido e vai não vai cai um aguaceiro filho da mãe de chuva cítrica, acidulada, daquela que faz das árvores cadáveres erectos e apanhou a menina e o capucho mínimo e o fotógrafo no meio do nada.
Os ácidos da chuva e as bases da cara da menina engalfinharam-se, engadelharam volátilmente, reagiram nas maças do rosto da menina como se estas fossem um caldeirão e a menina ficou com o rosto num bolo, com textura dos pastéis de tentúgal e o cheiro das tripas à moda do porto.Tão monstra se tornou que os espelhos se vomitavam todos quando ela se olhava neles.
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