terça-feira, setembro 18, 2007

Duas no código, uma na ferradura


A 1 de Outubro próximo entra em vigor o novo regime do Código da Estrada.
A formalidade passa-me ao lado. Não é que a ignore ou que as lides de um dos códigos legislativos com maior incidência nos trâmites do quotidiano me sejam desinteressantes. A razão é outra, simples e óbvia: não conduzo e o governo decidiu legislar para os que conduzem, aceleram e estacionam.
Eu, que não conduzo, não acelero e não estaciono, fico de novo votado a uma penumbra que, convenhamos, me incomoda.
A partir de 1 de Outubro há um novo Código da Estrada em vigor e, tal qual o antigo, os que não conduzem e - como eu - se limitam a atravessar a estrada, ficam de novo sem saber quais são afinal os seus direitos e as suas obrigações.
Quando estudava na universidade foi-me dito que havia signos, símbolos e objectos que tinham, por si mesmos, valor linguístico e uma performance própria: o fumo, por exemplo, deveria ser lido como um indício da existência de fogo. Uma passadeira no coração de uma estrada como uma evidência de uma espécie de refúgio.
Não é necessário ter-se noções de semiótica para se respeitar uma passadeira. Todos aprendemos desde pequeninos que a "zebra" é o local que nos leva ao outro lado da rua em segurança.
Segurança que em Macau não existe porque existir ou não existir passadeira pouca diferença faz. É um ofício perigoso, quase um mister à Indiana Jones, este de se atravessar a rua até ao outro lado.
O ano passado, ali à frente do Pacapio, uma velhinha (daquelas quase sumidas, enrugadas como os trapos) foi abalroada à minha frente. Seguia em pleno coração da passadeira. O choque não foi violento, mas a senhora ficou estatelada ao comprido com uma dúzia de mirones a inteirar-se da tragédia.
Do carro, com matrícula dupla, saiu um fulano que me pareceu menos chocado que impaciente. Gesticulava e cuspitava palavras que me pareceram assanhadas, apontando a unhaca à velhaca ali estendida. Tem alguma coisa que atravessar passadeiras, diabo da velha!
Contive-me para não lhe ir ao focinho: dois passos mais e tinha sido eu.
À frente do Pacapio não há semáforos: a zebra zurra por si só e é quem mais ordena. Perdão! Estamos em Macau: a zebra é quem mais devia ordenar. Nunca o fez e pelos vistos não o virá a fazer tão cedo.
A 1 de Outubro próximo, o novo código da estrada entra em vigor. Vou ver ainda se até lá arranjo um exemplar, com as coimas, as mudanças e as alterações todinhas.
Pode ser que venha a dar jeito da próxima vez que eu me borrar todo quando a velhinha à minha frente for apanhada por um carro mesmo mesmo no coração da passadeira.

1 Comments:

At 10:04 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Nem mais! Bela crónica!

 

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