terça-feira, fevereiro 28, 2006

Espanta Espíritos


Fernando Pessoa sabia do que falava quando escreveu que todos os poemas de amor são ridículos. Brockeback Mountain é um filme de amor logo Brockeback Mountain é um filme ridículo.
Mas - e desculpem qualquer coisinha - não é o epifenómeno que vejo por aí anunciado. É uma história de amor. Nem sequer é uma boa história de amor, se tivermos em conta outras tantas que o cinema já produziu (lembro-me por exemplo de "O Paciente Inglês" ou mesmo de "Legends of The Fall").
Se muito me não engano, o frisson em torno do filme rodado por Ang Lee, assenta todo ele na particularidade de relatar uma história de amor vivida (ainda que a intervalos espaçados) por dois homens, cowboys ainda por cima.
O atestado será para muitos uma bengala de espanto, já que a figura do cowboy foi desde sempre a do duro: John Wayne, de colt na mão e de cigarro no canto da boca, Clint Eastwood com a winchester entalada na sela do cavalo.
Mais espantoso é, ainda assim, o enternecimento bruto de quem finalmente percebe, depois de assistir em crescendo a uma história de amor na tela de um qualquer cinema (uma história que até nem é uma boa história de amor) que o sentimento, com toda a teia de afectos, de manifestações e de ridícularias pessoanas a ele inerente, a existir, existe entre seres, nunca entre géneros.
De resto, Brockeback Mountain é um filme onde se cospe muito. Onde se bebe, se fuma e se pragueja mais ainda. Um filme onde muito másculamente se transportam ovelhas ao cachaço e se derrubam veados (verdadeiros e na acepção primogénita do termo) com um único tiro. Um filme onde se fala muito de pesca e não se pesca mesmo nada. Um filme que ( como "Million Dollar Baby", o vencedor do ano passado) mostra uma outra América que existe, mais expressiva até que aquela que nos chega a casa todos os dias pelo pequeno ecrã.
De resto, o mérito maior, no que à crítica cinematográfica diz respeito, recai mesmo sobre a fotografia (mais até que na interpretação de um ou de outro dos actores). No que ao resto diz respeito, não se pode usurpar a Brockeback Mountain o feito nele mais vincado, o de funcionar como uma espécie de espanta-espíritos contra anacronismos e pudores d'ontem.
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"Brockeback Mountain" reune oito nomeações para os oscars, entre as quais a nomeação para melhor filme, para melhor realizador, para melhor actor principal e para melhor actor secundário.