sexta-feira, março 31, 2006

Cidade


Quando partiu recebeu o impacto da primeira orfandade. Faltaram-lhe as pedras gordas e areadas, polidas pelo vento. Os trilhos de poeira e o calraxo seco, lambido por rajadas serenas de um vento solar, tórrido, caudaloso.
Faltou-lhe o céu imperturbável e magno, com a imensidão e a planura dos espelhos. O chorrilho sôfrego da água em corgos e regatos improvisados sempre que o azul do espelho celeste se pintava de ácer e desabava, desabava, desabava.
Faltou-lhe, dias seguidos, o ar quebrantável da manhã, tão rarefeito que se mascarava de fio de coisa nenhuma, escorregando esguio pela traqueia.
Faltava-lhe uma magnitude que não o esmagasse. Que antes o siderasse pelo coração das coisas e reivindicasse para os olhos o sentido da liberdade, a prosa fácil da distância; uma outra amplitude que a do abismo invertido dos prédios e das passagens aéreas que cortavam o horizonte às ruas e enegreciam a luz.
Olhara para a cidade com crueldade, nessa manhã. Julgou para si que a altura abusiva dos prédios tinha a força dos grilhões, a subtileza das margens caneladas dos cartuchos de papelão quando resguardam do mundo a memória e pouco mais que nada.

2 Comments:

At 2:27 da tarde, Anonymous Anónimo said...

belo dia!!!a fotografa devia ser muito boa profissional:)

 
At 2:27 da tarde, Anonymous Anónimo said...

ups... nao e a minha:(

 

Enviar um comentário

<< Home