segunda-feira, novembro 28, 2005

Nostalgia Nr 3 (A neve)



Os dedos carnalmente rosa. Uma orelha sanguínea, vermelho brasa no frio raso da manhã. Um contrasenso, um semáforo no meio do branco que a noite derramou. À noite, a noite. O frágil esvoaçar dos flocos abafa o latido dos cães, adormece a própria madrugada, silencia os pássaros. Há a ausência e a plenitude pela manhã, o vento que rasga a quietude, o nevão que amaina, o branco que abraça árvores, telhados, o fundo do horizonte, as serras veladas, uma utopia fria, monocromática, grávida de delicadeza.
Nas ruas, o registo dos passos, o vestígio geométrico do calçado, os que subiram a rua, os que a desceram, as intenções despidas de um corpo e o frio, sempre o frio, apetecido porque condimenta o branco espartilhado pela imensidão, faz da lareira a companheira imprescindível do montanhês.
Tudo o resto, depois. Homens efémeros, teratológicos, que despontam na beira da estrada, declives, barrancos, caminhos que se transformam, a roupa transformada por uma epifania húmida, sem água que escorra e que corra, o ensopado mastigado das toalhas depois do banho. Neva por aqui. E eu tão longe.