quinta-feira, março 29, 2007

Salazar, seguidismo e não pensamento


Gostava, por vezes, de ter nascido em Amsterdão ou em Hamburgo para poder escrever sem remorsos e sem qualquer tipo de melancolia existencial que os portugueses são uns idiotas chapados. Sim, é isso que os portugueses são.
A eleição de Salazar como o "maior de todos os portugueses", ainda que tenha sido feita num programa de enxovalho (que melindrou uma história de oito séculos a uma síntese de cabaret) nos mesmos moldes em que se elege uma canção para a Eurovisão, comprova o atestado empírico que apetece delinear à generalidade de um povo: soís - somos - uns imbecis.
A eleição - a única democrática que Salazar alguma vez ganhou - pode, como apontam cronistas e editorialistas, ser sintomática de muita coisa, mas com clareza há uma asserção que se sobrepõe a todas as outras: os portugueses, incapazes que são de pensar por si próprios e de fundamentar a sua própria opinião, transformaram-se numa cambada de seguidários, de "Marias que vão com as outras".
Num programa com as especificidades deste "Os Grandes Portugueses", em que o princípio da escolha se fundamenta em algo tão pouco rigoroso quanto o televoto, não sobejam dúvidas de que o desfecho da votação não pode ter resultado de outra coisa que não de um conluio de ideologias à procura de prime time televisivo, de tempo de antena e de protagonismo, num país confuso, macerado e dividido.
Importante seria perceber se um partido como o Partido Comunista, que se arroga identificar-se como um dos pilares da democracia portuguesa, avançou nas páginas do Avante ou por intermédio de outros canais internos de comunicação, com uma ordem de voto na figura do candidato Cunhal.
Ou se houve padres de paróquia a aconselhar uma chamada em nome da memória de Salazar. Provavelmente, nem uma nem outra das possibilidades é inusitada e o que temos nesta votação são militâncias que se movimentaram, são bandeiras que se esgrimiram, erros que se repetiram e uma vez mais a lacónica incapacidade que uma grande parte dos portugueses parece evidenciar e que se resume ao seguidismo cego e à incapacidade opinativa.
Confesso que sou muito pouco dado a qualquer tipo de militâncias e que abomino quem encarna a cartilha dos partidos como quem veste uma camisola. Procuro manter clareza na forma como oriento as minhas escolhas, pesar os pós e os contras, discernir.
E por isso custa este desfecho: porque numa e em outra das escolhas são mais os contras e os erros, que as virtudes e as decisões acertadas. Maior o espectro da sombra, que o espectro da luz.
Se pensassem por seu próprio mote e se prezassem valores dignos de serem prezados, os portugueses teriam eleito, ainda que apenas para os holofotes da televisão, alguém como Vasco da Gama. Ele que, por si mesmo, não é a empreitada dos Descobrimentos, não são as naus que naufragaram, não é Mombaça nem a ilha de Moçambique, mas é um símbolo maior da primeira gesta verdadeiramente global. Uma que criou povos, cidades e destinos.
Não o fizeram, os portugueses. Presumo que por não cuidarem como válido o seu próprio pensamento ou então porque os valores que defendem são acres, mesquinhos e vil intencionados. De uma ou de outra forma, olho-me ao espelho e sinto pena. Não vislumbro em lado nenhum um caminho a seguir.

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1 Comments:

At 8:15 da tarde, Blogger R. said...

É a população que temos, no país que permitimos chegar a este estado.

Um grande abraço, R.

 

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