terça-feira, dezembro 28, 2004

Um Natal fedorento

Uma das coisas pela qual ainda deo gratias neste país é isto não ser ainda tão miserável que se faça uso de apedrejamentos e lapidações e processos que tais para meter nos eixos os insurrectos, os questionadores do sistema, os filósofos ou os gajos que, como eu, não reverenciam e idolatram lá por adiante o gato malcheiroso que, neste Natal, conformou, ao que parece, o produto cultural mais vendido (e oferecido possivelmente.)
Se assim não fosse, coitado de mim em plena praça pública, amarrado a um pelourinho de inox com metade de Portugal em fila indiana, de calhauzinho na mão, a fazer desfasada piscaria, meio olho aberto, meio olho fechado, a pedra a apontar para a cabeça e a bater no substrato da descendência e a riscar dos planos astrais o desígnio da continuação do brasão familiar e o juiz também, com o seu quinhão de calçada portuguesa na mão enluvada a cortar passagem,
- Você não vê que eles falam, falam, falam, falam e não fazem nada..
e faz voar a pedra da justiça também que isto de não seguir os fenómenos da moda em Portugal é coisa grave.
Se assim é, culpado sou. Não roubo o mérito do trabalho à trupe felina mas não me parece que sejam os arcanjos da nova comédia à portuguesa. O que tenho escutado e visto deixou-me mesmo a vaguear com dúbias considerações sobre que tipo de defeito genético poderia sofrer para não ver nos rapazes fedorentos mais do que bom trabalho feito. Duas noites mal dormi a tentar encontrar códigos de humor requintados naquilo do "tem que preencher o papel - qual papel - o papel- qual papel" e amargurei o sono por não ter descoberto nada senão o requinte do absurdo e a tenacidade da crítica à burocracia. Nisso são bons, os moços. Melhores do que a contar piadas.
Depois situei-me na posição egoísta em que nos consideramos iluminados e cem por cento certos e elucidados e embora tudo isto sejam pífias à João Pereira Coutinho, uma coisa deu para esclarecer: os gajos não são originais em termos absolutos. Podem ser originais até. Mas relativamente falando, quando comparados com a pirosa piroquice da televisão, com os Batanetes do Riso ou os Tonecas Maré Alta ou os Rochas e os Hórácios. E nesse caso, verdade seja dita, a coisa não é dificil.