quarta-feira, agosto 10, 2005

Jornalistas (2)

O providencialismo sempre foi uma atitude sensata. Sentemo-nos à espera que chova, à espera que ninguém se lembre de incendiar um pedaço de montado, à espera que alguém repare em nós numa curva da vida, à coca de um lugar soalheiro ou de umas risadas de sol que possam trazer no encalço, qeum sabe, novidades felizes ou paragens longínquas.
O providencialismo. O providencialismo recorda-me a poesia acomodada de Ricardo Reis, dura e nevrálgica, porque adivinha desenlaces quando a caminhada ruma ainda a meio.
Quando há meia dúzia de dias se anunciou a paragem das rotativas em dois dos mais históricos títulos do panorama jornalístico do país - "A Capital" e "O Comércio do Porto"- consignou-se o fecho dos diários como uma espécie de afronta à melhor tradição cívica, mesmo histórica de uma nação: diários com nome e com passado, com carisma e provas dadas na afirmação dos direitos e das liberdades, uma e outra publicações eram, nos derradeiros anos, muito mais simbólicas que viáveis.
Viabilidade, importa dizer, não é o mesmo que pertinência ou que necessidade. Jornais como "A Capital" e o "Comércio do Porto" ocupavam um espaço de diversidade e eram trunfos num baralho pluralista que tem, de há alguns anos a esta parte, vindo a ser reduzido de forma progressiva. Por isso eram e continuarão a ser, por muito tempo, necessários.
O desaparecimento de um e de outro titulo reclama o estrangulamento do espectro ideológico de intervenção, tornando-o mais parco e mais uniforme quando aquilo que o momento social impõe são ideias válidas e contributos.
Anunciada há muito a morte física de um e de outro título, surpreende a boa vontade das redacções agora votadas ao limbo exasperante da incerteza. Ultrapassaram o lugar comum do providencialismo de algibeira e continuam, num misto de jornalismo, de crítica e de lamúria, a manter vivos, noutro formato e com outros propósitos, os titulos que alimentaram até ao príncipio do mês.
Os blogs de "A Capital" e de "O Comércio do Porto" tem aquela feição particular das coisas que se acham amadíssimas depois de perdidas, o pendor romântico das mágoas e das desgraças e por isso há neles alguma graciosidade. Funcionam como uma espécie de "Big Brother" apontado para um drama particular que, desta feita, não ocupa apenas a primeira página dos jornais, não é uma estatística absorta na página quatro ou uma história de vida no capítulo da "Sociedade". Saltou para a redacção e por lá se instalou, com uma cadência inusitada mas não de todo inesperada.
A resposta a isto, diz o Sindicato dos Jornalistas, passa pela união de todos os trabalhadores, pela constituição de uma cooperativa capaz de inaugurar um novo jornalismo em Portugal, isento e livre da mão suspeita dos grupos económicos e dos interesses empresariais.
O Sindicato dos Jornalistas de Portugal é porventura a organização que faz falta em cada uma das républicas da Federação Russa para manter viva a ideia da glória dos sovietes, da glória dos povos, da ideologia socialista de linha dura. É um orgão demasiado preso ao passado num país que procura um rumo. Mas, porque não, apetece-me perguntar? Porque não investir numa solução que parta de um projecto onde as decisões não tenham que estar sujeitas a um décimo nono andar de Madrid, a indivíduos que encaram o jornalismo como máquina de propaganda, que o submetem aos interesses próprios sem salvaguardar nem direitos nem liberdades?
A resposta, pudesse eu enganar-me, tenho-a na ponta da língua. Providencialismo. Essa atitude manhosa de esperar que alguém nos acuda quando a vida encurva.