terça-feira, março 01, 2005

Bock de Esquerda

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Razão têm os fulanos do marketing e da publicidade. A tradição não é mesmo o que era. Que o digam Louçã e companhia, brindando a uma vitória pretensiosa nas eleições de 20 de Fevereiro com cerveja, bebida sem classe (que é como a comandita do Bloco quer a sociedade) nem nobreza outra que não seja fazer mijar (muito).

Ainda que seja louvável a fidelidade aos princípios ideológicos (que concebem como sacrilégio laico e crime de classe o festejar-se qualquer coisa com champanhe ou mesmo espumante raposeira), a malta do Bloco bem podia ter festejado com outro tipo de néctar, mais espirituoso e não tão paupérrimo que, quem veja tais festejos e louvores não pense que o Benfica ganhou o campeonato e que, assim sendo, os sem abrigo do Intendente festejam. Até um copo de água da serra da estrela teria sido augúrio de mais seriedade.

Nisto da política, como nos vícios e nos prazeres, o pressuposto e o entendido contam francas vezes mais que o dito e feito cristalinamente. Veja-se.

Para mau bebedor, meio copito basta, qualquer que seja a fragrância ou o teor, a substância ou o propósito. Quem bebe com o costume já conhecido, habitua-se a enxergar mais para além do que o fortuito trejeito de emborcar; percebe com diligência quando a bebida é um hábito, um prazer ou a perdição. Lê no sarro e nas paredes dos copos a impulsividade ou a temperança e até o carácter de outros bebedores, quando não discerne mesmo a robustez da sua conta bancária.

Que da malta do Bloco não se esperava que celebrasse com baldadas cheias de whisky envelhecido é uma coisa; que tenham escolhido uma poção mágica tão insalubre é outra por completo distinta. Num gesto de bom gosto os bloquistas podiam ter arranjado um substituto consensual, um néctar à medida do Bloco, tinto, do Cartaxo e carregado, de preferência. Tinto do Cartaxo é bebida de carácter. Portuguesa. Correcta.

A ideia de festejar alguma coisa com cerveja diminui, por si mesma, a intensidade do que se festeja. A cerveja é, possivelmente, a beberagem mais ociosa que alguma vez fez ninho nas estantes dos supermercados, nas prateleiras dos frigoríficos, no piso gasto dos balcões. É uma bebida do desfrute, 33 cl de pura segnícia, a patrocinadora oficial da moleza.

Um tal estatuto explica o encanto de se despejar cerveja atrás de cerveja pela goela abaixo: enquanto se bebe uma cerveja não se faz mais nada, desfruta-se o futebol, a vizinha que cruza o passeio, o tempo e as nuvens, mas não se faz mais nada. Por beber uma cerveja a malta diz coisas absurdas como sejam,


- Mamei ali uma cervejola que me caiu que foi um regalo


e acha-se importante na imensa quadratura do círculo, cerveja, cerveja, ópio do povo.

Cerveja não rima com semana académica ou queima das fitas mas ninguém tem dúvidas do potencial de poesia que está imanente a uma intersecção das duas, com os excessos e os desvarios, a inconformidade e o descalabro e a ruminante sensação final de que uma semana de queima das fitas é uma semana perdida na vida de qualquer um, sendo que o que se perde é tantas e tantas vezes ignoto. (Cansaço, muito cansaço.)

Ver a malta do Bloco com a cervejola na mão tem um não-sei-que de insidioso, de queima das fitas política onde não há palavra de ordem que persista, nem convicção que resista. Posso ser só eu, mas ao balcão e na política, cerveja não enche olho.