Crítica da Razão Outra
Eu, que de leituras e literaturas conheço pouco - apenas o que leio em horas sôfregas - tenho assistido com um entusiasmo mefistotélico ao duelo de saberes e pareceres que até há algum tempo se ia esplanando por estes lados.Digo mesfistotélico para não dizer que uma tal contenda nutre em mim um entusiamo mafarrico, ainda que tenuemente diminuído pela poída circunstância dos brandos costumes d'hoje.É que um cisma com os contornos que se lhe conhecem no Esplanar é daquelas altercações de outros tempos, em que as discussões, à força da honra que se alevanta e do orgulho que se embandeira, se resolviam de florete em punho ou de olho cerrado sobre a mira do mosquete. Por isso, digo para mim que em certas ocasiões mais valiam os costumes ser mais nobres, ainda que à custa de uma certa aspereza nas façanhas.
A ausência de consequências de monta, que não sejam a troca providencial de uns quantos galhardetes verbais, tira à demanda a carga dramática que torna irrisórias discussões como esta, em questões viscerais, de toada epopeica.
Se assim não fosse, tão rico que tudo seria. Digno das melhores manifestações da praxis romântica, valente e bom seria ver João Pedro George desfraldar a luva branca nas ventas da crítica, como um Castilho ressurrecto, enxotando os Eças e os Anteros.
Justo será dizer que as comparações se devem resumir obrigatoriamente às formalidades do duelo, pois a impressão subtraída é a de que JPG veste mal Castilho. Ou melhor, não merece que lhe assaquem qualquer tipo de ortodoxia (quanto mais a ortodoxia pontifex de Castilho).
Não sei. Talvez se tenham invertido os papéis, na mecânica das provocações; essa é a impressão que suscita a reacção de Rui Falcão, falível, a meu ver, por nela existir algo que soa a uma ingenuidade terrível, a um purismo absorto na forma como a legitimidade de ser dos portugueses é feita.
Se bem me lembro, a contenda teve no seu início um texto de João Pedro George em que a figura prosélita de um taxista de Lisboa ganha, por anuência do autor, os contornos e a substância de um tipo ideal weberiano.
O tipo ideal weberiano é o fulano ou a situação que polariza em si este ou est’outro traço característico – ou generalizações – que são de forma empírica (logo, não científica) assacadas a um grupo, casta ou classe social.
De certa forma, o tipo ideal weberiano é a caricatura que o observador atento traça dos vícios gerais do anonimato, uma radiografia cromática ao civil desconhecido, a abordagem concreta aos trâmites rotundos e militantemente comuns da alma colectiva.
Ter a plena consciência de que existem tais traços de carácter em que, de uma ou de outra forma, todos somos passíveis de incorrer, é reconhecer uma certa dimensão de tangibilidade na forma como os portugueses se apropriam da realidade e de como fundamentam, a partir dessa apropriação, o seu modo de ser e o seu modo de estar perante o outro.
Negar, como nega Rui Falcão, que um taxista da Lisboa contemporânea seria incapaz de proferir algo tão rebuscado e tão pouco compatível com a polida observância das regras do politicamente correcto é afirmar, com um proselitismo selectivo, a elipse do carácter pérfido dos portugueses em favor de uma fragmentação elitista e profundamente estigmatizada da sociedade portuguesa.
O pior dos estigmatismos é o que abafa o cérebro com certos coágulos de intolerância; Rui Falcão, pelo materialismo absoluto com que criticou JPG, parece ser dos que negam aquilo que lhes convém negar apenas para que a percepção que desenvolvem do mundo permaneça impoluta, cor-de-rosa e mais judiciosa que todas as outras.
O amigo Falcão parece ser do tipo correligionário de pessoas que por conivência com as suas próprias crenças ou mediações ignora os podres e os precipícios do ser e louva as grandezas da ideologia às custas da verdade das coisas: ao criticar João Pedro George pelo “Monólogo do Taxista”, Rui Falcão esgota a pertinência dos lugares comuns da cultura portuguesa, mesmo quando estes se revestem do saudável embuço da ironia e, desse modo, nega a residual piada que ainda habita o mais batido sketch humorístico dos últimos anos: “…falam, falam e eu não os vejo a fazer nada pá, fico chatedo com certeza que fico chateado, pá..”
Haverá maior e mais corrente evidência de um tipo ideal, sr. Rui Falcão?
A ausência de consequências de monta, que não sejam a troca providencial de uns quantos galhardetes verbais, tira à demanda a carga dramática que torna irrisórias discussões como esta, em questões viscerais, de toada epopeica.
Se assim não fosse, tão rico que tudo seria. Digno das melhores manifestações da praxis romântica, valente e bom seria ver João Pedro George desfraldar a luva branca nas ventas da crítica, como um Castilho ressurrecto, enxotando os Eças e os Anteros.
Justo será dizer que as comparações se devem resumir obrigatoriamente às formalidades do duelo, pois a impressão subtraída é a de que JPG veste mal Castilho. Ou melhor, não merece que lhe assaquem qualquer tipo de ortodoxia (quanto mais a ortodoxia pontifex de Castilho).
Não sei. Talvez se tenham invertido os papéis, na mecânica das provocações; essa é a impressão que suscita a reacção de Rui Falcão, falível, a meu ver, por nela existir algo que soa a uma ingenuidade terrível, a um purismo absorto na forma como a legitimidade de ser dos portugueses é feita.
Se bem me lembro, a contenda teve no seu início um texto de João Pedro George em que a figura prosélita de um taxista de Lisboa ganha, por anuência do autor, os contornos e a substância de um tipo ideal weberiano.
O tipo ideal weberiano é o fulano ou a situação que polariza em si este ou est’outro traço característico – ou generalizações – que são de forma empírica (logo, não científica) assacadas a um grupo, casta ou classe social.
De certa forma, o tipo ideal weberiano é a caricatura que o observador atento traça dos vícios gerais do anonimato, uma radiografia cromática ao civil desconhecido, a abordagem concreta aos trâmites rotundos e militantemente comuns da alma colectiva.
Ter a plena consciência de que existem tais traços de carácter em que, de uma ou de outra forma, todos somos passíveis de incorrer, é reconhecer uma certa dimensão de tangibilidade na forma como os portugueses se apropriam da realidade e de como fundamentam, a partir dessa apropriação, o seu modo de ser e o seu modo de estar perante o outro.
Negar, como nega Rui Falcão, que um taxista da Lisboa contemporânea seria incapaz de proferir algo tão rebuscado e tão pouco compatível com a polida observância das regras do politicamente correcto é afirmar, com um proselitismo selectivo, a elipse do carácter pérfido dos portugueses em favor de uma fragmentação elitista e profundamente estigmatizada da sociedade portuguesa.
O pior dos estigmatismos é o que abafa o cérebro com certos coágulos de intolerância; Rui Falcão, pelo materialismo absoluto com que criticou JPG, parece ser dos que negam aquilo que lhes convém negar apenas para que a percepção que desenvolvem do mundo permaneça impoluta, cor-de-rosa e mais judiciosa que todas as outras.
O amigo Falcão parece ser do tipo correligionário de pessoas que por conivência com as suas próprias crenças ou mediações ignora os podres e os precipícios do ser e louva as grandezas da ideologia às custas da verdade das coisas: ao criticar João Pedro George pelo “Monólogo do Taxista”, Rui Falcão esgota a pertinência dos lugares comuns da cultura portuguesa, mesmo quando estes se revestem do saudável embuço da ironia e, desse modo, nega a residual piada que ainda habita o mais batido sketch humorístico dos últimos anos: “…falam, falam e eu não os vejo a fazer nada pá, fico chatedo com certeza que fico chateado, pá..”
Haverá maior e mais corrente evidência de um tipo ideal, sr. Rui Falcão?
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home