terça-feira, janeiro 25, 2005

Meteorologia

As conversas típicas costumam aborrecer-me. Com os velhos, não troco duas frases em que não fale do tempo, dos sinais da Invernia que se colam às encostas da Serra: a brisa crescendo em fúria e vaidade sobre a copa dos plátanos, fazendo jingar os pinheiros ao extremo férreo de os curvar em lamúrias, rangendo as raízes e os ramos, os borbotos da casca e a aguda existência das agulhas. Quando assim é, a chuva não tarda e os velhos consomem-se, afoitos, na resfolegância das horas.
Antes que chova sumam-se as fronhas dos estendais, recolham-se as cobertas de pelúcia e as falsas caxemiras e os falsos arraiolos. Antes que chova, lancem-se à terra as ervilhas e ao alfobre o feijão-de-trepa e à panela todos os frescos da horta; recolham os animais à cerca e as almas à temperança da lareira.
Com os velhos e com o tempo, uma núvem que engorda de sombra a solidão dos montes promete para as horas mortas da tarde as trompas e as trombetas do juízo final, ainda que este seja líquido e sucedâneo, um céu espesso de xarope de ácer solvendo os telhados e as vidranças, a fúria efémera.
Os velhos. O tempo. O sol, as nuvens, a neblina, os cristais góticos da geada matinal transformam-nos em D. Robertos, marionetas mudas; se o sol brilha, as mantas e as colchas ganham uma vida nova, escorrendo da umbreira das janelas.
Se o céu se turva, são os ânimos que se fecham como se fossem pinhotos agrestes e melindrosos e as palavras que se somem da vontade dos homens e perdem a pertinência e o tino, a substância e a rota. Conversas assim são galeões à deriva, motetos sem plus nem ultra.