domingo, janeiro 02, 2005

A Livraria Ideal (tomo 1)

Originalmente publicado no jornal “A Estação” (Rio de Janeiro), como folhetim, entre Outubro de 1881 e Março de 1882, “O Alienista” faz parte da colectânea Papéis Avulsos, uma obra contemporânea das Memórias Póstumas de Brás Cubas, editada pela primeira vez em 1882.As questões suscitadas pelo conto indexam o leitor aos limites de um século que se assumiu cientificista, consubstanciando crítica e intervenção na orla das modificações que se coadunaram como substanciais para a vida da jovem nação brasileira.
Logo em 1889, o regime monárquico cai face à turbulência dos ideais republicanos e positivistas em que todos parecem imersos. Nem todos, contudo: Machado não deixa de olhar com cepticismo para as ideias que sacodem, como um terramoto, a sociedade brasileira.Um século seria mais que suficiente para corroer uma obra. Mas não é o caso. “O Alienista”, não é abusivo referir-se, descobre um tratamento inédito e quase profético da questão da loucura, antecipando o debate sobre as fronteiras entre a normalidade e a insanidade.
Antes de um estudo psicanalítico assertivo, antes mesmo da desmistificação das doenças do foro mental, Machado de Assis veicula com a “O Alienista” ideias que encontram eco, satisfação e justificação nos conceitos de incerteza, na crítica aos conceitos de loucura e à nebulosidade que a envolve introduzindo assim uma espécie de hipótese pré-teórica para o caos).
As ligações entre poder, ciência e loucura só virão a ser explicitamente debatidas na década de 60 do século XX, depois das considerações práticas e teóricas de personagens como Ramon y Cajal, Miguel Bombarda, Egas Moniz e Michel Foucault.Privilegiando a análise da loucura como momento de eclosão do pensamento de uma época, Machado procura revelar a afinidade entre a loucura e o poder, pela revelação de uma das suas máscaras mais angulares: a política. Interessa a Machado o jogo de forças que se defrontam em torno da normatização (toda a tragédia de Bacamarte oscila entre os diversos critérios de normalidade que procura colocar em prática), posta em andamento pela ciência, que se imaginava tão nobre e imparcial. Assim, a fala da medicina psiquiátrica é tratada como exercício de poder, o que autoriza Bacamarte a agir “virgulando as falas de um olhar que metia medo aos mais heróicos”.
O Alienista não se debate apenas com a irredutibilidade da loucura (a busca dos critérios, a exigência de rigor, as classificações, o bloqueio das emoções, o messianismo civilizatório da ciência). A sua vigilância científica desencadeia um poder que altera a vida da comunidade de Itaguaí. Neste sentido, a obra de Machado continua mais contemporânea que nunca: remanesce uma investigação de natureza política em torno do poder da ciência.

Sugestão da Semana:
Assis, Machado de, O Alienista, Hiena Editora, Lisboa, 1997;