terça-feira, janeiro 04, 2005

Portugal Negativo

Dormente. Tenho dormente num canto da consciência, algures entre a incógnita e a dúvida, um texto, não sei se grande, se pequeno, se obrigatório, se necessário, sei que o tenho escrito com impressões malfadadas que trago como um carrego e como um incómodo e quero, tenho, mesmo de o deitar à rua e ao papel, de me afastar das razões do coração e dos enredos pouco lúcidos da vontade com que se acolhem por vezes os estigmas e os conceitos que povoam a contemporaneidade. Confesso que, das duas uma: ou gostava de roubar aos deuses a sapiência ou a inocência a uma criança.
Não me compete julgar de que forma são as duas rodeios distintos de uma manifestação, nem porque meios são elas uma única e mesma evidência. Nelas agrada, sobretudo, a distância face à pequenez analítica do Homem, à infinitesimal preponderância para uma cegueira invulgar, a de considerar civilizado um animal que pensa, constrói, idealiza mas que em sete milénios de dita civilização não conseguiu sequer esboçar uma forma digna de sociedade, justa, senão mesmo perfeita.
Falava de um escrito e de cegueira, de um ensaio sobre a tristeza e os demais negativismos que atentam a alma e a calma dos portugueseses e confesso que divago com pouca segurança sobre o que hoje é Portugal e sobre quem são os portugueses, certezas não tenho muitas e mágoas colecciono-as todos os dias, mais vezes são as vezes que me "avergonho", que aquelas que me espanto e volto a confessar, não sei de que forma pode estar um país deprimido, mas em mim mais são os dias de desilusão do que as jornadas de franco estultício ou de suave contentamento.
Se é válida ou não a tendência para a tristeza, não sei e não me compete acusar nada, nem ninguém, nem a história, nem a biografia do mundo e dos grandes homens que, algures, num momento no tempo, tiveram ou têm nas mãos o destino de todos os outros: é uma evidência da fragilidade da sociedade enquanto universo útil de que poucas vezes nos recordamos, essa de precisarmos dos outros para viver mas também dependermos da sindicância da sua vontade para continuarmos vivos, sempre tive medo de uma morte estúpida, de sucumbir ao excesso de alcóol de um fanfarrão bebedor e entusiasmado, de receber do céu um projéctil com a morte nas vértebras, de morrer aos olhos e à indiferença de todos enquanto o meu peito espera uma saída para o vício e para o sufoco.
Mas não há-de a morte doer tanto. Não tanto ao menos quanto a estranha evidência de que não sabemos quem somos, que força nos move, porque desígnio é legítimo que nos guiemos, não quero resumir a factura de uma alma colectiva à vitória num campeonato de futebol, mesmo que este se tenha por europeu e mediático, nem sobreviver num país que querem à força converter num arraial de sol, só sol e nada mais.Recuso não entristecer quando os velhos da minha vida se somem numa viuvez muda e atraiçoada, mais pelo abandono que pela ferrugem nos ossos. Quando as redes dos batéis que ao mar conquistaram respeito e mundo apodrecem nas cercanias dos pontões. Quando as encruzilhadas dantes percorridas se afundam em silvados e matagais para depois, com quarenta graus de sol posto, se consumirem em cinzas e lodaçais. Recuso a tristeza sem compaixão e o Homem sem seriedade. Recuso os que criticam o Portugal que temos, lhe apontam os vícios, os estragos e os defeitos e fazem da sua crítica um exemplo de virtudes desprovido de concretizações. Recuso não entristecer ao ver Portugal desaparecer. E quero ainda mudar o mundo. Quem muda o mundo comigo?

1 Comments:

At 7:04 da tarde, Blogger Tiago said...

Eu mudo

 

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