sábado, dezembro 30, 2006

Ajudar a bibir l lhéngua


Uma língua vive quando se manifesta, quando há quem a abrace e quem a embale. Quando subsiste, nos lábios e nas mãos de quem a fala. Quando, há quase dez anos, ao mirandês foi reconhecido o estatuto de segunda língua oficial da Republica Portuguesa, a decisão emanada de São Bento foi tida por muitos como de uma simpática graciosidade.
Num país como Portugal, plurissecular e de uma homogeneidade enfadonha, os quinze mil “bárbaros” do planalto transmontano que falavam um tal linguajar, de temperança arcaica e sonoridades medievas, foram acarinhados como se acarinham as celebridades dos freak shows. Alguns ponderaram a língua - até então desconhecida da maior parte - como uma anormalidade linguística num país idiomaticamente uniforme, celebrando-a mais como uma excentricidade do que como repositório de gestos, de saberes e de rituais milenares.
Quase uma década volvida sobre o decreto parlamentar que concedeu ao mirandês o estatuto paritário que a língua merece, o trabalho desenvolvido pelas gentes de Miranda em prol da lhéngua é bem mais que remarcável. O esforço de recuperação do idioma não só atraiu para o estudo da língua novos falantes e estudiosos, como potenciou a criação de um corpus de recursos que consegue fazer inveja a repositórios linguísticos com outra extensão e natureza.
Se uma língua vive quando se manifesta, a força com que o mirandês se insinua na world wide web augura para a língua de Miranda um futuro risonho. São vários os sítios onde a lhéngua se faz espessa e viva como o sangue e muitos os responsáveis por colocar o coração do idioma a bater.
Pela web é mesmo já possível aprender os primeiros rudimentos da língua, falados e escritos; pela web se esparrama a teia do idioma bem para além do Planalto Transmontano.
Os recursos virtuais colocados à disposição dos internautas por alguns entusiastas da língua há muito que ultrapassaram o permeio do amadorismo, para se transformarem em recursos de excelência, capazes de fazer inveja a línguas de outra nomeada. Pudesse ser o português, em qualquer outra circunstância, assim tão acarinhado.
De excentricidade, o mirandês poderia (e deveria, se calhar) evoluir para case study. Num país como Portugal, tão pouco dado a casos de sucesso, a afirmação da lhéngua mirandesa constitui um exemplo notável do que é possível quando as singularidades são acarinhadas.
Um exemplo para Portugal que o é também para Macau. Conhecida que é a intenção de candidatar a língu maquísta a património intangível da humanidade, não é de todo inusitado perguntar de que vale a intangibilidade patrimonial de uma qualquer coisa, quando essa mesma realidade não se revela de forma tangível em quase nenhuns aspectos?
Comparar o pátua e o mirandês, é porventura, injusto. Se um rejuvenesce a olhos vistos, o outro moribunda. Não passarão de uma mão cheia de dedos o número de falantes que ainda conversam com os trejeitos do pátua macaísta no aconchego do lar.
Ainda assim, numa época em que a informação galga continentes e a Internet ajuda a vencer distancias, é no mínimo lamentável não existir entre os milhões de páginas em que se debulha o ciber-espaço uma única que recupere a métrica e a poética do linguajar e da vivencia dos trópicos, doci papiaçam di Macau.