sábado, janeiro 28, 2006

Mau Senso, Mau Gosto

Esta página. Mesmo que se diga que é um "hoax", um dos mitos urbanos que o poder da wide web espalhou pelo imaginário internaútico, a natureza repulsiva da originalidade da ideia merece que quem a criou (seja ou não um sofisma, o seu propósito e conteúdo) tenha, por sugestão própria, o cu lacrado a supercola.

quarta-feira, janeiro 25, 2006

O último diplomata...


Imagino que Roque Choi nunca tivesse desejado para si a glória devida a quem por momentos tem por seu o trabalho das parcas e joga, numa mesa rasa e mal iluminada, o destino de um território.
Se as nações inspiram dignidade, Portugal deve a Roque Choi a dignidade que lhe resta no que respeita à turbulência dos derradeiros dias da sua história expansionista e colonial.
Macau, deve-lhe, por sua vez a história e o estatuto que tem. Talvez os casinos, os néons e o propalado desenvolvimento.
Sem que o sangue português fosse em Roque Choi pretexto ou arma de arremesso, Portugal tem no antigo secretário de Ho Yin um dos melhores diplomatas da sua história recente.
Um diplomata por exigência das circunstâncias e pelo rumar da história, mas um diplomata. Terá evitado - nunca se saberá bem ao certo até que ponto - que o fim da presença portuguesa em Macau se houvesse tecido da mesma forma abrupta com que se talhou o adeus de Portugal a Goa.
A Macau, evitou o frémito e a voracidade de uma integração forçada numa China que vivia com furor os anos da Revolução Cultural, do renascimento pela morte e pela destruição. Roque Choi foi um dos homens, que, numa ponte de bambu, não deixou que o tufão Mao passasse.
Não que fosse má, a passagem. Não que fosse boa. Teria sido apenas diferente. E é pelo diferente que não teve lugar à existência que o Prestes-João se junta ao Sínico na homenagem.

Kung Hei Fat Choi...


... ou que o Ano do Cão carregue na sombra a Felicidade, a Fortuna e a Longevidade.

Os cheques e os fundos

A julgar pelo que se lê amíude nos jornais e na blogosfera, o anacrónico estado que os portugueses parecem inculcar a Portugal em pouco se distancia do estado de moribunda vivacidade que se descobre nos doentes terminais reduzidos às camas de hospital.
Portugal - construção ideária longe de se apresentar como ideal - é o tal cadáver adiado. Não procria, respira, serpenteia os bogalhos lacrimosos dos olhos a tempo espaçado, arqueja, morre, vive, morre.
Eis Portugal em auto-análise nos comentários em sinédoque feitos no rodapé dos jornais de fora.
Para além de moribundo, ao que parece, o país é suicida. Porque o país somos todos. E uma parte considerável faz questão e alarde de se penitenciar aos olhos dos outros, à procura de um socorro improvável. Faz questão de rezar em primeira pessoa do plural, como se o país, todinho, todinho, apanhasse o avião para o Brasil e Punta Cana a expensas dos créditos bancários e deixasse as florestas ao flagelo dos fogos e os velhos prostrados ao esquecimento.
O invulgar nas borras das amargas análises feitas nas montras jornalísticas alheias é a omnisciência com que os diagnósticos são traçados. Dir-se-ia que há uma morte doce consentida a moer os resquícios do que em Portugal ainda não adoeceu. A acreditar na primeira pessoa do plural que infesta a "saga de todos nós" exponenciada em crónicas e comentários, a patologia que mina e rumina os humores de Portugal está por todos identificada, como estão também os sintomas, as causas e os custos. Se assim é, porque razão não saltam da cartilha médica de tão insígnes doutores dois dedos que sejam de soluções? Ou será que em tais eminências os dedos existem apenas para disparar?

sábado, janeiro 14, 2006

Assi sã Macau

“...Crueldade que me faz lembrar o que recentemente ouvi de fonte segura, mas que não consigo agora precisar se ainda hoje é prática corrente. Contaram-me, pois, que algumas meninas de um dos clubes nocturnos do Jai Alai retiram da rata (desculpem se a diplomacia nunca foi o meu forte), em pleno show, passarinhos vivos amarrados nas patinhas por um cordel.
Que metam e retirem do que é seu uma banana (qualquer que ela seja, que embora não pareça, sou um grande liberal) e a disparem como se de um projéctil se tratasse, tudo bem, desde que ninguém saia ferido durante o exercício!
Tratam-se de opções próprias da escravidão, condicionadas pela dificuldade da vida e pelo poder da máfia e do dinheiro, que ninguém faz isso por gosto e muito menos com público!
Agora, sacarem de lá animais vivos amarrados por um cordel a baterem as asinhas contentes de alívio, por terem saído da escuridão ou se afastado de algum mau cheiro, é simplesmente crueldade. Crueldade para com os passarinhos e, naturalmente, para com as passaronas! E um atentado à saúde pública, que essas ratas não devem ser propriamente virgens e os animais, coitados, podem não se segurar por muito tempo
.”
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Albano Martins, in "Ratas e Ganhos e Perdas", Jornal "Tribuna de Macau" de 13-01-2006

domingo, janeiro 08, 2006

Sex (or love still to come)


The longest yard, the longest run
A drop of wine, a crest of fun
Your hand, your skin
My loss, my sin

The longest yard, the longest hour
Your eyes, your light, so sweet, so sour
A drop of wine, the salt of sea
The breath you're taking all out of me
Your hand, your act, the game we play
Emptying me smothly, making me stay
Where life can't have, where life can't be
Shall we just do it?
Or wait and see?

sábado, janeiro 07, 2006

Livros das Américas


As novas que me chegaram deste livro e do seu autor - Luis Alberto Urrea - foram suficientemente convincentes para transformar curiosidade em compra. Da narrativa, sabia apenas que orbita em torno do relato da vida de Teresa Urrea, familiar um tanto ou quanto afastada do escritor.
A julgar pela memória que a história guarda da "santa de Sinaloa" e do caldeirão político que o México constituía no início do século XX, Luis Alberto Urrea tem no relato da vida da sua tia-avó pano para um romance com mil Américas espraiadas: a dos revolucionários, a dos proprietários yoris (palavra que, em contraposição com yoremes, designa os fazendeiros brancos e de um modo geral o poder nas mãos dos brancos), a dos índios, a dos yoremes.
Um livro a ler com atenção, não fosse Luis Alberto Urrea equiparado por não poucos ao sumo pontífice das letras das américas, o grande Gabo. A ver vamos.
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NB: Outra sinopse biográfica de Teresa Urrea, com bónus fotográfico. Aqui.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

O Afonso


No catálogo da estiva gastronómica de Macau, o Afonso III reivindica, com mérito e paladar, lugar de emberbigado destaque. Como não há pantagruel que se não faça desejado sem os vapores das travessas e o consentimento dos comensais, a fama do Afonso III toma raíz na revivificação dos sabores de Portugal de uma forma única no território.
À mesa do Afonso não crepita o fogo da saudade, que sempre se faz farta de paladar, a refeição. De tão farta, o tempo sobeja miúdo para os prazeres do repasto, um bife à "marrare", a posta marinada e engolida por bogalhos de pimenta em grão, acidulando o nervo e a fibra da posta messiânica, eivando o estômago de uma fraqueza augada, de uma gula sem melindre.
Espacialmente atascado, as ambiências do restaurante não se dão a manigâncias. Não é sítio onde as pungências do socialmente correcto se façam coercivas e onde a coxa de frango não se erga do raso do prato com a mão ou o a garrafa se dê a uma extinção súbita nos copos diluviados.
Não é também, para sossego de quem assim preza as estâncias da mesa (a meio caminho entre os tapaderos, os chiringuitos, as casas de pasto e o requinte dos restaurantes da moda), uma tasca como a portugalidade a desenha: com charcos de vinhaça desmaculando as toalhas da mesa, papel mata-borrão a servir de máquina registadora, a omnipresença dos bolos de bacalhau, das pataniscas, das iscas de cebolada.
O Afonso é, pois, tasca com alma de visconde. Lugar de anto onde o requinte se faz bruto no que mais importa: os negócios do paladar.

Ponto Mundo

O Ponto Média, um dos redutos pioneiros da blogosfera portuguesa, atingiu um destes dias a provecta idade de cinco anos. Provecta mas não vetusta. O trabalho que António Granado desenvolve todos os dias parcas vezes se afasta da natureza do que é um serviço público redimensionado à escala dos media e da comunicação social. Um percursor, um visionista, uma instituição, o Ponto Média é, de facto, um blog que acrescenta, dia-a-dia, todos os dias. Parabéns Granado.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

Die Liebe in Gedanken

Se a fama ou o sucesso se pudessem derimir numa equação matemática, o bom momento do cinema europeu poder-se-ia explicar facilmente pelo sucesso de uma geração de actores do Velho Continente com créditos firmados na sétima arte e facilmente reconhecíveis nos ecrãs das salas de cinema da Europa.
A versatilidade e a amplitude do sucesso teriam um expoente na proporcionalidade de rostos reconhecíveis de filme para filme, de papéis assinalados como magníficos, de enredos supramedianos.
Daniel Bruhl (Good Bye Lenin!) é apenas um dos nomes maiores entre uma legião que integra ícones do cinema europeu como sejam Javier Bardem (Mar Adentro), Audrey Tatou (Les Fabuleux Destins d'Amélie Poulain), Ludivine Sagnier (Swimming Pool), Emmanuelle Béart (Huit Femmes), Mathieu Kassovitz (La Haine), August Diehl (Der Neunte Tag) ou Asia Argento (Viola Bacia Tutti).
Muitos outros haveria a juntar à lista (acrescentar, talvez, o nome do português Nuno Lopes, pelo louvado desempenho em Alice ou o de alguns actores de longa carreira já aclamados), mas para o efeito, o percurso de Daniel Bruhl, jovem actor alemão nascido em Barcelona de mãe espanhola e de pai germânico, basta e sobeja para determinar um exemplo e um caminho para a sétima arte com assinatura europeia.
Bruhl, que está de regresso às salas portuguesas com Joyeux Noel, fez-se conhecido do público europeu com Good Bye Lenin! , o marco miliário de Wolfgang Becker que recuperou o cinema alemão para os catálogos da popularidade cinéfila.
De certa forma, Becker instituiu, com Good Bye Lenin! a visibilidade de uma alternativa ao experimentalismo de Wim Wenders e aos ambientes fantasmáticos de FW Murnau e de Josef von Stenberg, medianizando a filmografia alemã, tornando-a macia e apelativa ao vulgar entusiasta.
Daniel Bruhl foi um dos instrumentos dessa medianização. E se em Good Bye Lenin! o jovem actor ascendeu a um nível de reconhecimento quase hollywoodesco, em Liebe in Gedanken, de Achim Von Borries, Bruhl atinge o clímax numa performance densa, marcada por uma violência emocional que ultrapassa a linha condutora do filme como se de uma brisa se tratasse.
Anárquicos, pessoanos, visionistas. Guenther e Paul são dois jovens estudantes que se convencem que a vida deve ser vivida de acordo com a sua própria intensidade, no limite, sem regras e conveniências.
O que vale para a vida vale para o amor. O destino faz-se sombra num fim-de-semana gasto numa casa de campo, na companhia de Hilde (Anne Marie Muhe), irmã de Guenther. O fascínio de Paul por Hilde é instantâneo, mas há um motor de modernidade e de inconformismo à flor da pele da jovem.
Hilde, amante secreta do antigo amante do irmão, abre as portas à tragédia. Hans, o amante repartido, precipita-a ao aparecer numa festa privada organizada por Guenther para um grupo de amigos. Fora de controle e inebriados por absinto, por álcool brando e por drogas, os quatro protagonistas caminham a passos largos para um destino trágico: o culminar da vida, o culminar do amor.
Violento e cáustico, Liebe in Gedanken não deixa de ser um filme sobre o quanto de amor se faz vida. Duros, implacáveis, devoradores, os oitenta e oito minutos da película colocam o espectador num estado de branda lucidez, com os braços abertos para um precípicio que apetece enrodilhar, sentir fluir por entre os dedos. Torrencial. Como o amor.