quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Eleições

A análise à vitória do PS nas eleições de domingo postou-se aqui. Outra análise curiosa é a de Jorge Vaz Nande, d' A Peste, que faz uso de uma imagem ligeira, a da promiscuidade entre a política e o futebol para evidenciar tudo aquilo que os portugueses ofereceram de bandeja a José Sócrates. Fosse Raphael Bordalo Pinheiro vivo e as imagens seriam outras: a de uma velha suja e desavergonhada fornicando o Zé Povinho...

sábado, fevereiro 19, 2005

Triste,
rosa triste de todos os meus dias.
Recolho em ti palavras que são mágoas
e em teus olhos não mais que essa luz
de desertos varridos por noites frias e tardes quentes,
em teus olhos não mais que ausência
não mais que a memória das horas insubmissas
em que quis ser eu a elipse precipitada,
o orvalho e a manhã em fúria, em fausto
na vertigem do teu corpo de torpor e mármore.
Essa é a tua dor,
a dor mínima de todos os malabarismos do Universo,
essa dor dos claustros e do silêncio
das alamedas, dos semáforos, dos crespos do mar
a dor grave das cidades quando anoitece
e pelas ruas és tu quem naufraga,
e a luz dos teus olhos (luz de solstício)
é quem ordena, quem comanda, quem destrói,
quem se aporfilha de todas as coisas
como se fosse tua a última inspiração
e tua a ordem para os planetas fulgirem
e os corpos se amarem

A tua dor, mínima, é a dor das planuras.

terça-feira, fevereiro 08, 2005

Sonho de uma tarde de Verão

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Por uma prega escorreita dos estores, um nada mais que a espessura de uma moeda opulenta, entrou de uma golfada, com precisão e fúria absolutas, uma vassourada de sol, uma réstia de luz limpa e poderosa, tão poderosa de resto que encheu de poças de luz a morna obscuridade do quarto.
Não fosse o Verão adiantado em seu caminho e o homem julgaria que um pedaço de sol (uma partícula ínfima, residual na carga atómica dos despojos solares) for endereçada com precisão maquinal àquela fresta mínima de uma persiana escangalhada pelo vento e pelas peripécias inenarráveis do trânsito dos dias.

A claridade, nos dias vastos da estação, tomava para si a amplitude plenária dos espaços, invadindo mesmo os mais improváveis, lugares impossíveis onde a luz não é tanto o furão que se infiltra quanto a própria subversão da natureza dos sítios e das palavras pelas quais os homens os tinham. Não eram só as paredes do quarto ensombrecidas a escorrer fragmentos de luz. Por todo o lado, onde a claridade crua se enraizava, um sudário branco vagamente translúcido matizava os escassos redutos de sombra que persistiam e tomavam de assalto a frágil sensibilidade das vistas.

A luz, cruel e plenipotente, devastava as horas iniciais e entrava pela noite fora, já o sol se sumira para além do reduto do horizonte. Invadia as grutas e as caves e ocupava as madrugadas eternas das plataformas mineiras, estava no reverso das pedras e no fundo dos poços - transformando o âmago dos silos e das sombras numa radiância líquida, farta, torrencial, tão omnipresente quanto a própria essência da estação, calda e imensa.
Não fosse a luminosidade ofuscar em permanência e o homem teria desejado que esses dias se transformassem numa manhã infinita, limpa e soberana. Apraziam-lhe as jornadas grandes em que os gestos e as acções se multiplicavam, em que mil vidas pareciam ganhar consistência, consignando agilidade às horas, desmembrando os segundos em compassos modorrentos e bruscamente duráveis, duráveis, como se o tempo se flexibilizasse e os dias, alcançando a magna amplitude do dizer popular, de tão vastos parecessem encerrar em si cem anos, larguíssimos em memórias.

Ergue-se. Num gesto timorato puxa a correia cinzenta dos estores. Um bruááá monocórdico e fugaz antecipou por momentos curtíssimos a lâmbara torrencial de luminosidade que em menos de nada dissolve os derradeiros despojos da noite. Sob as casas, desapareciam do azul concreto do céu as últimas aparas do rosa pueril que coroa nesses dias a alvorada; o ar, ao escorregar pela traqueia, tinha a estranha consistência da água morna, um esgadanhar grosso e licoroso deixava adivinhar uma tarde de humores pesados, de calor de inferno ou de siderurgia.

Embalado pelo fresco da madrugada, o homem concedera às últimas horas de sono o beneplácito do sonho de uma tarde de Verão, total e limpa, a luz tão líquida quanto a água, correndo e corregando entre as fragas, em carreiros de espuma e musgo, a luz reverberando os segredos do fundo do rio, reflectida em pequenos cristais de tamanho mínimo e nas escamas dos peixes e nas medalhas dos pescadores naufragados nos ramos dos amieiros.

Sonho de uma tarde de Verão, luminoso e líquido. O plo'chh do anzol no confronto inicial com a linha ténue da superfície, a isca - um gafanhoto jovem, rosado e imprestavelmente atlético - que se debate contra a providência, um bordalo que sucumbe à gula e o pescador, que vê tudo no plasma do rio, como se pertencesse a uma instância superior de clarividência ou olhasse para uma pintura da sua margem.
A mulher, que apenas em sonhos o acompanhava, criou para aquele momento (o momento evidente em que se percebe que não há saída legítima para a vida, o segundo fraccional em que o peixe engole o gafanhoto e o anzol dissimulado) uma intermitência. Passara o sonho todo a tricotar, ponto por ponto, sentada numa cadeira, imune, ao que parece, ao bulício da água e ao bailado das sombras sobre o curso do rio e aquele fora o único momento em que os braços fizeram amainar os gestos mecânicos de linha vai, linha vem, agulha vai, agulha bem. Lançou os olhos à água e como se visse a cena nos mais densos documentários da tv viu o bordalo abocanhar o insecto, o bordalo contorcido contra paredes invisiveis, esbarrando com massas de água cortante. Nesse momento, o momento evidente em que se percebe que não há saída legítima para a vida, a meada de lã cor de flamingo escorregou-lhe do colo. Circuito fechado, a vida.
A nesga de luz acordou o homem no segundo certo em que fazia rolar o carreto com o polegar e a sediela se eriçava sobre a vítrea superfície do rio, de modo que não soube nunca quem venceu, se ele ou se o peixe. Acordara levemente excitado, com vontade de possuir todas as coisas.
Desde que começara a ter dores a sério, lances de adaga desde as pernas até aos ombros, aconteciam-lhe estas coisas curiosas, de serem outras as idades e os desejos que tomavam conta das suas expectativas, como se fossem viáveis ou possíveis.
Apesar das dores, algo novo o inquietava: os sonhos semeavam-no de esperança e ter esperança é quase tão difícil como o resto, já que o hábito fazia da esperança mais forte do que aquilo que poderia esperar e temer numa cama de hospital, numa janela aberta sobre a cidade.
Não há nenhuma saída verdadeira para a vida. Quando o futuro se escreve com os cuidados paliativos dispensados ao sacudir e ao afugentar dos males cancerígenos, sabe o homem que não há saída verdadeira para a vida. Pode quando muito adiar a decisão ou adocicar o percurso com habilidade e astúcia, mas não há saída. É um sistema fechado e no fim existe a morte. Ponto final. E a morte, claro, não é uma solução. Nem o é o sonho, por fecundo que seja, de uma tarde de Verão.

segunda-feira, fevereiro 07, 2005

A Campanha do Colinho

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Novos colos para Portugal. Se Santana Lopes fosse um corpo celeste, seria um buraco negro. Se fosse um polo energético, seria sem dúvida o negativo. O homem não diz uma palavra que não possa ser conotada com uma asneira e se a política era até agora um mamarracho ideológico barroco e mafarrico, tornou-se, com os pensamentos prosélitos de PSL um circo de idiotas que - tenho a impressão - os cidadãos se recusam cada vez mais a engrossar.


Mas PSL não tem que temer o pós 20 de Fevereiro; se é verdade que depois das eleições o único trabalho político digno que PSL pode fazer é o de fazer desaparecer os (seus) outdoors para que não borrem muito a paisagem (e para que não incentivem mais malta a ser contra o mar e contra o vento), a PSL resta uma saída que poderá, ainda assim, granjear ao rapaz o sucesso económico que o moço se queixa de nunca ter tido. O homem tem jeito para o marketing. A história dos colos poderia ter sido aproveitada pela máquina de propaganda do Partido Socialista. É que a história das novas fronteiras de que Sócrates falava não convenceu ninguém: o que é isso das novas fronteiras? Vão conquistar Olivença de volta, é? Avançar mais um xisquito até Badajoz? Se em vez de fronteiras fossem colos (colos à escolha) - Novos colos para Portugal - a malta já percebia...

quinta-feira, fevereiro 03, 2005

Quem está, está. Quem vai, vai.

O atributo indispensável para que quem viva em Portugal possa almejar a uma margem mínima de felicidade não está tanto na lembrança quanto no esquecimento.
A tranquilidade, em Portugal, chega apenas quando, a partir de certos exercícios de esquecimento, nos esquecemos do pendão expansionista da nossa história e da angústia messiânica a ela associada, quando nos esquecemos da míngua de expectativas e das políticas salafrárias ou, porventura principalmente, dos políticos que nos governam. Estóicos, como Ricardo Reis, seremos felizes.

quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Palavras "azadas"

O que aconteceu é que eu chego aqui e sou logo confrontado com certas e determinadas situações... E eu digo: "Então mas como é que é?", e os gajos: "Ah e tal..." E eu: "Ah e tal, sim?! Ah e tal, sim!"
Então eu venho aqui ter e dizem-me que não sei quê, chego cá e afinal parece que é mesmo! Como é que é que ficamos? E os gajos: "Ah não sei que mais e o camandro..." E eu: "Eeeia... Olha quem um gajo não é de ferro!" Porque isto não pode ser, eu sou um gajo que está aqui a escrever umas roufenhadas, eu quero mandar uns azeitonas para o púcaro, e dizem-me como eu aqui ouvi, dizem-me: "Ah não sei quê...Outros que também sabem voar!"
Mas qué isto?? Qué isto?? Isto não se faz, porque eu sou um gajo que se dá bem com toda a gente, sim senhor, dou-me bem, por mim, tá tudo bem, mas sou bichinho como as minhocas e fazem-me isto e há gajos que andam praí, fazem trinta palavras por linha e depois passa tudo incólume, nem sabem que eles existem... qué coisa que eu não percebo.
É que eu assim não venho. Ou começam também a olhar para aqui, ou vou fazer a minha vida para outros sítios. Sítios onde, inclusivamente, a malta me diz: "Eh pá, e tal, sim senhor!A rapariga tem jeito!" e é pra lá que eu vou... Porque quando eu vejo que há praí pessoas, pá, que voam voam, voam voam, voam voam e eu não me canso de os ver voar, pá, fico emocionado, com certeza que fico emocionado, pá...
  1. PS: Obrigada pelo link. Fico emocionado, pá. Claro que fico emocionado...