domingo, junho 25, 2006


Das Lied der Deutschen: É um erro subestimar a Alemanha. Neville Chamberlain e Edouard Daladier fizeram-no noutros tempos e em circunstâncias bem menos festivas e o resultado é o denodo da segunda guerra mundial: milhões de mortos, a Europa destruída, a compartimentação (ora bicéfala, ora uninominal) do globo.
Se o militarismo alemão hoje pouco mais é que uma memória esparsa do passado e a Alemanha perfila no coro das nações bem comportadas, o futebol germânico continua a associar rigor táctico e eficácia e a escrever pelas relvados crónicas de vitória numa espécie de blitz fussball que pode até nem encantar, mas convence.
Um a um, em acertos ofensivos decisivos, num futebol afinado, quase de orquestra, os adversários vão sendo fulminados. Ontem, nas sortes, calhou a vez à Suécia.
Até era moço para apostar que os rapazes do norte não serão os últimos a sucumbir à canção dos alemães. Ou que a Alemanha tem pernas para nacionalizar (de novo) o seu Weltmeisterschaft e braços para erguer o caneco, no próximo dia 10, em Berlim.


Argentina II: Deus Maradona apontou o dedo ao menino e dele disse que era digno dos altares do futebol, de ser substituto de luxo para a camisola 10. O menino, como os pássaros, enjeitou. Tirando o golo marcado contra a Sérvia-Montenegro, Messi pouco mais tem feito que arranques inconsistentes, previsíveis e quase por completo inóquos. Longe de Diego Armando, portanto.

Argentina I: Ninguém gosta de pisar areia movediça, de errar apostas e prognósticos, de se desiludir com prestações. Antes do apito do árbitro e do primeiro dos pontapés de saída deste Alemanha 2006, julgava que o tango seria a banda sonora deste Verão: jogo de pernas, pasos dobles, rápidos e lúbricos, a bola no poste e mais vezes ainda no fundo das redes.
Depois, os homens de Pekerman mastigaram o que tinham de bom no seu futebol e empataram contra a Holanda, num jogo aborrecido e pouco aliciante. Ontem não conseguiram vencer o México nos noventa minutos regulamentares e eu fiquei sem saber se uma equipa assim merece vencer um Mundial.

terça-feira, junho 06, 2006


August Sander. The Artist (Anton Raederscheidt).
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Ícones. Há meia duzia de anos, um professor da faculdade lamentava que em momento algum do processo educativo se ensinasse aos alunos - fossem eles de domínios artísticos, matemáticos, teológicos, científicos ou melindrosamente empíricos - a leitura das imagens. Com avisada experiência e calculada razão, de resto.
Aprendemos o arcabouço e a sonoridade das letras, aprendemos a amalgamá-las em palavras, a verbalizar o mundo em construções textuais enredadas, variadas, complexas. Com os números, os signos e os símbolos matemáticos o mesmo acontece, de forma que se temperamento e génio tivermos para tal, podemos encurtar a mecânica das galáxias à eivada extensão de equações que misturam o mistério dos números e o pulsar do Universo.
A ler as imagens, ninguém nos ensina. Matéria tanto mais premente quanto a evidência de que tudo o que nos rodeia carece de uma interpretação, tanto necessário quanto recorrente. Se aprendemos copiosamente a identificar a utilidade e o propósito dos rectângulos brancos das passadeiras e das passagens de peões, as recomendações implícitas dos semáforos e dos sinais de trânsito, escapa-nos a maior parte das vezes, a intensidade e a intenção subjacente à dimensão trabalhada da imagem que todos os dias até nós chega, ora na televisão, ora no cinema, ora na publicidade, ora na fotografia.
Acabei ontem uma passeata inusitada pela história da fotografia e do rendilhar das imagens com a chancela da Taschen. Uma passeata duplemente agradável: há mais de um mês que não terminava uma leitura (ou por impaciência ou por que mais altos valores sempre se alevantaram). Há muito tempo que não considerava tanto aprender nas páginas de um livro. Segue-se o volume II.


Efeméride. Um ano de ruas estreitas, de um calor de danação, de exiguidade territorial, de descoberta cultural, de deslumbramento, de enraizamento, de Ásia, de diferença e de abertura. Um ano de Macau.

quinta-feira, junho 01, 2006

Primavera. O melhor da Primavera eram as andorinhas, os beirais, o voo raso. Ah, como gostava de admirar o cú das andorinhas a desenhar constelações móveis nas sombras dos beirais.


A diferença é? Se há uma aspecto em Macau em que o consenso se faz notado e a unanimidade germina, esse particular respeita ao foro do turismo e das actividades de promoção turística.
O português Costa Antunes tem conseguido de forma primorosa fazer de Macau um local atractivo e requisitado. Se provas faltassem, os números por elas falariam: são cada vez mais os viandantes - principalmente os da China continental - que procuram Macau como destino de viagem.
A Direcção dos Serviços de Turismo e o próprio Executivo da RAEM têm obrado para que assim seja: as campanhas de promoção da nova realidade de Macau em países e regiões um pouco por todo o mundo têm-se vindo a intensificar, os responsáveis pelo sector parecem sériamente apostados em criar no território as infra-estruturas e as garantias que possam fazer de Macau não apenas um destino de lazer, mas também um destino de negócios . Em 2005 o governo conseguiu ver cumprida uma velha ambição das elites políticas e culturais do território (mesmo as da antiga administração portuguesa): inscrever o centro histórico de MAcau na lista das cidades distinguidas com as benesses e as incumbências das heranças da humanidade.
Outros três factores, não menos importantes, concorrem para o acréscimo da procura em termos turísticos de que Macau tem vindo a ser alvo.
Um, incontornável e decisivo, ganha substância no desenvolvimento notório que a Região Administrativa Especial de Macau ultrapassa desde que em 2002 o governo local decidiu por bem liberalizar o sector do jogo e das actividades recreativas.
É no jogo e tendo em conta o peso do jogo na economia de Macau que a subida do número de visitantes encontra a mais plausível das explicações.
São muitos (cada vez mais) os que vêm a Macau com o intuito exclusivo de deitar as sortes, tarefa ou ambição sobremaneira facilitada por uma outra realidade que não deixa já, ninguém indiferente. O crescimento interno do mercado chinês, o agigantar da economia do milenar Império do Meio e a progressiva liberalização das práticas e costumes associadas a um tal crescimento influi e muito nos índices e na natureza do crescimento do sector turístico avalizado na RAEM.
Naquilo que ao sector do turismo diz respeito, duas são as cartadas chinesas que as autoridades de Macau dificilmente poderiam ver com melhores olhos: a do alargamento da política de concessão de vistos colectivos a uma série generalizada de urbes do continente chinês e a introdução do direito de solicitação de vistos individuais.
O que a Direcção dos Serviços de Turismo de Macau faz é, no fundo, recolher proveitos (com mérito bastante, já aqui foi dito) do melhor de dois mundos: aquele que consubstancia o crescimento da própria região administrativa especial de Macau e o que resulta da expansão do próprio sector: nos últimos anos a indústria do turismo e as manifestações a ela afectas foi a que mais cresceu a nível mundial.
O trabalho da DST tem sido, pois, uma dessas empreitadas que pouco mais se pode fazer que não admirar e aplaudir.
Ainda assim há em tanto método e em tão engendrada estratégia um detalhe ligeiro que, por parecer tão simplista e amador, parece roubar um pouco do brilho aos resultados conseguidos.
O pregão que promove Macau por esse mundo fora sofre de um amadorismo quase ingénuo e de uma lassidão comprometedora. Se é certo que ninguém compra um produto apenas pelo slogan que o designa e que o apresenta, não deixa de ser verdade que um slogan é como que um fato de retórica que concede ao produto um cunho de identidade: se o fato for pobre e o tecido mau, o produto condena-se à não persuasão.
No que ao turismo de Macau diz respeito, o fato não é de todo de má costura, mas é cinzento e formal: da mesma forma que veste Macau, poderia vestir meio mundo.
Dizer que num mundo de diferença, a diferença é Macau (é este o ditame com que Macau se oferece turisticamente) é dizer pouco ou coisa nenhuma. Onde está Macau poderia estar Singapura, Hong Kong, Tel-Aviv, Timbuctu, Kingston, Nunaavut ou Tuvalu. Num mundo de diferenças, qual destes locais não é igual a si mesmo e diferente de todos os outros?
Voltando à imagem do corte e costura, o que Macau necessita é de uma roupagem à medida, algo que esclareça sobre a sua identidade, que ilumine e descreva. Algo que jogue com o entendimento de quem visita e com o coração de quem queira visitar. Porque no que toca a consensos (e não são muitos no que à RAEM diz respeito) poucos serão tão fortes quantos a estranha e difícilmente justíficavel evidência de que, tender and slowly, Macau plays with your heart.