segunda-feira, abril 16, 2007

O meu laguinho

Mui pasmo, quase estarrecido fiquei um destes dias quando, a caminho de Coloane, quase no fim do que costumava ser o cordão umbilical do Cotai, me inteirei da ignóbil estupidez das gentes que mandam e que podem nesta caganita de terra que é Macau.
Saberão melhor que eu, os que chamam Macau de casa há mais tempo, que foram duas as parcelas de água e de azul, tudo o que restou da zona de paúl e de pantanos que existia no local onde agora se erguem os futuros mastodontes do jogo da strip da RAEM. Uma adormeceu ali aos pés da Avenida da Praia, junto às casas-museu da Taipa e é hoje considerada (não se sabe bem por mais quanto tempo) uma das zonas húmidas do território, o habitat que resta a um enxame ainda vasto de aves migradoras de alva plumagem e a um punhado de rãs irritantes que espantam melosos casais de namoradinhos chinos com uma serenata de coaxos monocórdicos e incessantes.
A outra ficou como que engasgada entre os aterros e a encosta encarpada e outrora intransponivel da costa leste da ilha de Coloane. Nunca lhe conheci um nome, mas sei que lhe encontrava um certo charme por essa posição de quase clausura entre a terra travestida, reclamada ao mar, e a muralha de granito que se levanta escassas braçadas além, pintalgada de onde em onde por uma àrvore que teimou em crescer numa ou noutra freste da pedraria.
O laguinho ali esteve durante anos, a olhar o céu com um pudor enegrecido, a deixar adivinhar uma profundidade inexorável. Viu crescer aquela metade de ovo acinzentado que dá pelo nome de Pavilhão dos Jogos da Ásia Oriental (mas a que toda a gente em Macau chama de Dome, quando não é mesmo dáan), rebentar os panchões da festa e ecoar os hinos dos vencedores. Viu, da terra, as gruas germinar e o anjo da concórdia coroar o campanário da Veneza de plástico que se ergue ali ao lado.
Costumava acolher sem um murmúrio pescadores de fim de semana, que gastavam horas a fio de paciencia, à cata de um ou outro peixe graudo, de uma boa história para contar ou apenas de silêncio.
O laguinho era um dos locais do território onde mais tangível se tornava o absurdo de Macau. De tal forma que um amigo meu dizia que aquela paisagem de Macau nao tinha nada: talvez de fjord, da Noruega ou até do Bornéu ou da Nova Caledónia.
Não era sequer grande, o laguinho. No máximo talvez desse (ou possa dar) para albergar mais um casino tipo fábrica de bolachas albardado com tantos néons que encha de timidez as estrelas. No outro dia, quando por lá passei, estava o laguinho com o tamanho e com a forma de uma borboleta, roído do seu carácter rotundo, por meia dúzia de máquinas de terraplanagem em pleno labor. Aquela manta de terra que se estende com o furor dos caracóis lembra uma mancha de óleo em suspensão, a agulha de sombra infinita, de um relógio que se move com a cadência do sol.
Foi para mim como ter uma bofetada assente a uma velocidade crua, ver o lago naqueles termos. Pior é saber que não há ninguém que erga a voz - como ergueram em defesa da luz do Oriente e da liberdade do Farol da Guia - contra a destruição dessa réstia de verdade num troço de terra, o COTAI, que promete apenas fantasia, mentira e distorsão.

terça-feira, abril 10, 2007

Todos os Santos


Tem Santos no nome mas não é por isso que é favorecido pelos deuses e pelos homens. O segredo, todos em Macau o conhecem: dá pelo nome de boa mesa (talvez a melhor de Macau) e começa agora também a fazer furor do outro lado do Delta.
A fama do alentejano mais célebre de Macau galgou fronteiras e colocou já o timoneiro do mais genuíno receituário luso do Oriente na capa de uma revista de Hong Kong.
Sorriso rasgado (acho que lhe disseram que o Benfica vai perder na Luz com o Espanyol de Barcelona), tem nas mãos uma travessa com o que a revista diz ser "o melhor leitão do Oriente".
Lá bem parecido é o bicho: ruço, com cara de estaladiço, a pedir um par de horas de domesticação exclusiva.
No tancar do Santos as boas novas do paladar não se ficam apenas pelo semblante luzidio do leitão. Há o ensopado de borrego, o frango na púcara, os secretos de porco preto e Portugal bem mais perto, umas boas centenas de quilómetros, por cada prato que pousa o tampo da mesa.

Etiquetas:

sábado, abril 07, 2007

Coisa Rara

Os jornalistas que acompanham Edmund Ho na deslocação à Tailandia, à Malásia e a Singapura tiveram que solicitar um visto de entrada no "país dos sorrisos" e ao que parece deverão patentear no passaporte, quem sabe para depois fazer inveja aos amigos, uma raridade pouco usual por estes dias: um comprovativo formal de autorização de entrada nos antigos domínios do Sião. Acautelem-se os súbditos de sua Majestade e os pobres dos jornalistas da velha Macau. Depois da insanidade cometida pelo desalmado do suiço e daquilo que aconteceu ao You Tube por ter vilipendiado o bom do Bhumibol todos os cuidados são poucos.