terça-feira, maio 01, 2007

O 1º de Maio e o regime que aparece

Macau é pequeno, chega a sufocar. Pequeno, por vezes, não é - ainda assim - de todo mau. A perspectiva que se tem da evolução do quotidiano é, por exemplo, muito mais crua e muito mais global. Os actores políticos escasseiam e, por escassearem , é possível ler-lhes as intenções como como se fossem folhas de chá em suspensão ou borras de café a predicar o futuro.
A arte de se fazer política no território é menos arte e mais engenharia: as decisões estão longe de ser transparentes, mas o background das decisões adiantadas não podia ser mais claro. Há dinheiro, há condições para governar e há uma elite poderosa apostada em não ver fugir nem o poder, nem o dinheiro.
A emergência de um regime faz-se notada quando determinadas evidências se conjugam e favorecem ou o primado dos direitos de um grupo sobre os demais, ou o primado de um dado indíviduo sobre todos os outros. Macau, bem vistas as coisas, é uma panela de pressão onde um regime se vai cozinhando, ingrediente a ingrediente.
Há o expediente do discurso oficial; de "Macau governado pelas suas gentes", da "sociedade harmoniosa" e da primazia da doutrina "um país, dois sistemas". Metáforas que calam ou que aconselham a que muito não seja dito.
Há um sistema político com laivos de censura e de estado policial, em que elementos das forças de segurança fazem algo tão mesquinho quanto filmar conferências de imprensa de forma a ter bem em mente os rostos sequiosos dos "maus" dos sindicalistas e em que a entidade responsável pela assessoria de imprensa do governo dá azo a manobras veladas de intimismo e propaganda.
E há depois, Edmund Ho, o líder imaculado. Ainda que o estado de graça do Chefe do Executivo pareça ter fenecido depois da detenção de Ao Man Long, uma das garantias com que conta tem por base a existência de uma estrutura aparatchik que protege a boa imagem do governo a troco da manutenção de um certo status quo, qualquer que ele seja.
Entre os aparatchik (tão aparatchik que dão asco) estão personalidades como Fong Chi Keong, Lao Pun Lap e Lau Cheok Va. Entre os poucos que não estão contam-se Pereira Coutinho, Au Kam San, Ng Kuok Cheong e, às vezes, a deputada trabalhista Kwan Tsui Hang.
A manifestação que daqui a nada sai à rua é, antes de mais, uma bofetada na grossa fatia política que é, em Macau, constituída pelos meninos do aparelho. É também um vislumbre de história que se urde: se seis mil pessoas saem à rua num território com meio milhão é porque nem tudo vai bem no reino da Dinamarca.
Esta não será para Macau "uma madrugada inicial, clara e limpa". Pode ser, sem dúvida, o início de uma grande aventura. Quem sabe se mais democrátia também?