sábado, junho 02, 2007

Maio Maduro Maio II


Estarão, em Hong Kong, as premissas democráticas a perder força e o ímpeto para um solução democrática a desvanecer-se?
No ano em que se assinalam os dez anos do regresso de Hong Kong à soberania chinesa são muitos os que entendem como um sintoma de cedência o facto dos movimentos pró-democráticos já não conseguirem convencer com a mesma força com que outrora convenceram.
O 1º de Maio com a assinatura da RAEHK é disso um exemplo. Enquanto nas ruas de Macau choviam tiros e bombas e murros nas trombas e desfilavam mais manifestantes do que em qualquer outro protesto realizado na antiga Cidade do Nome de Deus ("Não há outra mais Leal"), nas possantes artérias de Hong Kong foram pouco mais do que 6 mil os manifestantes (cordatos) que exigiram sobretudo melhores condições de trabalho para classes profissionais em que se integravam as empregadas domésticas e os funcionários das empresas de segurança.
Um ninharia se tivermos em conta que Hong Kong tem uma população jeitosinha , na ordem dos seis milhões de habitantes e que é vítima, por exemplo, de mecanismos de especulação que inflacionam quer o preço de bens de consumo, quer as condições de vida, fazendo da antiga colónia britânica uma das cidades mais caras do planeta.
Não deixa de ser verdade, no entanto, que os dias negros suscitados pela propagação da pneumonia atípica já há muito parecem adormecidos na memória dos cidadãos de Hong Kong. A economia tem crescido (ainda que de forma mais branda que em Macau), os ensejos da população da RAEHK têm vindo a ser mais ou menos atendidos e a cidade parece regressar aos poucos à ribalta asiática e mundial e a ser o que sempre foi, uma lança do ocidente a raiar na imensidão da Ásia.
Tais motivos - aliados à eviência de que as sociedades onde o confucionismo predomina são sempre sociedades onde predomina também um sentido muito prosélito de ordem e hierarquia - poderão justificar o arrefecimento gradual dos valores pró-democráticos junto da população de Hong Kong.
Explicam também, de certo modo, o entusiasmo dos activistas pró-democráticos da vizinha região administrativa com os incidentes que ocorreram há pouco mais de um mês nas artérias do Porto Interior.
Com o credo democrata menos forte, importa não deixar que o trabalho feito até ao momento não o tenha sido em vão. E que melhor solução do que "internacionalizar a luta"? Maio, maduro Maio não foram apenas os tiros, o gás pimenta, os cães e o sr. Leong que apanhou com o balázio. Consegui também ser o escorraçar de "Long Hair" e do séquito que o acompanhou.
Entre os comentadores do território - com alguma naturalidade, de resto - a questão foi interpretada quase como normativa, ao abrigo de um pressuposto que chega por vezes a rasar o caricato.
De acordo com uma tal interpretação, o governo não deve nem aos cidadãos de Macau, nem à Assembleia Legislativa e, muito menos, aos tais insurgentes de Hong Kong explicação de indole alguma porque o que "Long Hair" Leung Kwok-hung e os que o acompanharam tentaram fazer foi imiscuir-se nos assuntos da governação do território e, como tal, atentar contra a soberania das instituições de Macau. Uma soberania que é parca, tutelada e manietada de longe, por Pequim, ao abrigo dos pressupostos da Lei Básica e da própria natureza das Regiões Administrativas Especiais.
A justificação, veículada por alguns spin doctors através dos meios de comunicação social, pareceu agradar ao governo, que consentiu, calou e não justificou porque razão foram os activistas de Hong Kong escorraçados. Eles, que desafiavam desde o outro lado do Delta, o governo de Edmund Ho, mas que traziam até ao território um alerta importante: há valores que impõem e que se fazem preponderantes.
Valores como a liberdade de expressão, o direito ao protesto e mais ainda, o direito a uma vida digna num território que tanto se gaba de ofuscar Las Vegas e de arrecadar dinheiro de forma irrefreável. A 1 de Maio último, tais valores custaram à policia cinco balas para cair.

Maio Maduro Maio I


O post abaixo foi escrito há mais de um mês, horas antes da manifestação do 1º de Maio ter tomado as ruas do território.
Não tinha como objectivo congeminar futurologia, mas algumas das coisas que lá foram ditas tornaram-se, de um modo ou outro, proféticas. Falavam de um regime que emerge, de um "Estado" que se faz pouco rogado no que toca ao uso da força e de manobras de censura, persusasão e propaganda.
Para quem não se coíbe de apontar o dedo às coisas, o mês de Maio foi um banquete. E os laivos, que não tinham intenção de ser proféticos e que acabaram por expor as fraquezas de uma governação RAEM(ática) colocaram a nu o esqueleto do regime que se alevanta: os tiros na manifestação, a ingerência do Gabinete de Comunicação Social no trabalho dos jornalistas do canal chinês da TDM e o caracter expedito com que as forças de segurança impediram a entrada dos "radicais" do território são lacerações mortais na credibilidade de um governo que quer fazer de Macau uma cidade internacional. Cinco tiros para as nuvens e outros tantos para os pés cagam um bocado a pintura e roubam a face à cidade.