terça-feira, maio 30, 2006


Julieta y Sal. Um acordeão nos braços e um acordeão na voz. Julieta Venegas é a menos mexicana das cantoras mexicanas e tem um novo album: Limón y Sal.

segunda-feira, maio 29, 2006


A Linha do Coração. Dois aspectos agradam no legado que Portugal espalhou pelo mundo, no rescaldo de sagas, de erros e de diásporas. Uma é a tranquila reverência da língua, ora travestida com a doçura dos trópicos, ora macerada nas águas frias do Atlântico, bela e caprichosa em palavras plenas de cor e de extensão, em sindicâncias musicais. Morango, sinfonia, argila, tulipa, alecrim, açúcar, açúcena: tudo palavras de que gosto, tudo ritmos que cultivo.
O outro aspecto em que a inventividade portuguesa soube navegar com algum génio foi na questão da urbanidade e na redenção de novos burgos.
As cidades que comportam uma herança portuguesa regem-se todas por uma linha emocional que condensa a identidade da cidade e dos que nela vivem ou viveram, como se a presença de quantos por ali passaram inculcasse no etéreo uma presença ad aeternum; que recebe com confortoe reverência os que chegam, que bombeia vida e irradia bulício para o que sobra da urbe.
Gosto das cidades com coração. Do rossio central, da praça ou do terreiro abrasados pelo sol do meio-dia, de desfilar ao início da noite por entre candeeiros sempre acesos, de sentir o torpor imaginário do coração que bate nos passos dos que transitam, nos estores que se abrem e fecham quando o vento rasga a monotonia, da água impossivel que floreia nos chafarizes e nas fontes.
Lisboa tem, sob o olhar do Carmo decadente e de um Chiado pobremente magnânime, o coração atracado a meio termo entre o Rossio, o Terreiro do Paço, a Rua Augusta e a Praça da Figueira: a vida em curso, o drama em charme, a mágoa em flor.
Em Macau os passos multiplicam-se no Largo do Senado, tornam-se as paredes amadas e a familiaridade confortável, quase cosmopolita, mais forte, mais densa. O sentido de presença e de pertença possível. O resto da cidade existe, como uma árvore de concretizações , de veias de betão que se expandem a partir da linha curta e vã que une o Largo do Senado e as ruínas de São Paulo. Como se fora esta afinal, a linha do coração.

sexta-feira, maio 26, 2006


Maus augúrios e fronteiras. Os autarcas do interior do país - principalmente os que conduzem os seus pequenos feudos de soberania nas abas das Espanhas - deviam estar contentes. O governo tem obrado no sentido de tornar tais regiões mais agradáveis aos que andam de baldão ainda à procura de um pouso onde se possam fixar.
O governo, claro, mas de José Luis Zapatero. À custa de uma matemática tributária aligeirada, o executivo espanhol tem conseguido incendiar nos portugueses - até agora ainda e apenas os da raia, do mal o menos - a vontade de voltar a dar o salto. Com a gasolina mais barata cerca de trinta cêntimos e o custo de vida abaixo dos níveis referenciados para Portugal, são cada vez mais os portugueses que se abastecem em Espanha: não apenas de gasolina. De papel higiénico, de fruta, de tudo o mais.
Ora de Espanha podem até nem vir bons ventos ou bons casamentos. Mas enquanto os ventos de leste continuarem a soprar bons preços e o país de eivadas megalomanias e mais sentidas misérias continuar como o paúl de Pessoa (a estagnar, estagnar), Espanha ganha os foros do lugar certo. Pode não ser o único. Mas não é, pelo menos, o lugar errado.
Esse é Portugal, país non-sense. De estádios mastodónticos e vazios e expos renascidas em casinos. De maus salários, maus ares e horizontes. Onde a vida custa porque a vida pesa. Onde não existe honra ou sentido de vergonha e onde existiu um vinte e cinco de Abril esparsamente conseguido, que nos enche ainda hoje de uma esparsa reverência e não nos deixa semear de bombas o que bombas merece. Não nos deixa ultrapassar a barreira da apatia e o lento definhar.
Numa altura em que os instrumentos financeiros da política económica e aduaneira da União Europeia atingem um estado de presumível maturidade e fecunda aceitação junto dos povos da Europa, seria de se esperar que a fronteira se desvanecesse ao ponto de se tornar apenas o fio de ariadne da tradição e do destino dos povos, o novelo da identidade que tanto aproxima como marca a diferença.
Durante séculos, a fronteira - fruto proíbido e portanto apetecido - ritmou a existência dos povos da raia, moldou-lhes o carácter e até o linguajar, que em Quadrazais-Sabugal, os contrabandistas de outrora continuam a enrolar paivantes na vez dos cigarros.
Morta a saga do contrabando e enterrados os últimos varões do império, a fronteira parece recuperar de novo o cunho delimitador e repressivo que durante séculos terá sido o seu desígnio maior.
Erguem-se de novo barreiras: não estorvam a vista, não rasgam a pele com a ferocidade dos espinhos metálicos das cercas. Ferem antes com subtileza a clareza do entendimento: como se explica uma oscilação de trinta cêntimos num litro de combustível de um e de outro lado de uma linha imaginária?
Que matemática económica, que metafísica dos costumes, que brandura emocional poderá justificar a nova fronteira que se ergue quando a velha fronteira, da fiscalidade e da soberania padeceu de europeísmo há tanto tempo já?

quinta-feira, maio 25, 2006


Redescobrir. Seis anos e meio volvidos sobre a passagem de testemunho na administração da outrora Cidade do Santo Nome de Deus de Macau, o número de portugueses (uma nova geração de portugueses) que demandam a agora Região Administrativa Especial ganha uma consistência particular, tantos são os rostos novos que semana a semana arribam atraídos pelo rumor do vento na vorazmente próspera árvore das patacas.
Boas notícias para Macau. Quem chega parece vir munido de uma curiosidade insaciável, da vontade de abraçar a diferença, de a reportar, de esmiuçar a alma volátil da cidade, crónicamente. Bem Vindos...

Letargia. O melhor depois do sono é recuperar os quilómetros ao mundo, sentir o chão endurecer sob a planta dos pés e cambalear, trôpego, por aquilo que ritma e por aquilo que pasma. Possa a noite não voltar tão depressa.